E todos foram felizes para sempre...
Cheguei em casa cansado, depois de um dia na labuta. Liguei a televisão. Escrito nas Estrelas. Zapeei e no SBT passava o Programa do Ratinho. Na TV Pampa, uma reportagem fútil sobre a vida de algum artista. Voltei à novela e comecei a me lamuriar com a ingloriosa programação. Desculpa-me minha vozinha querida, meus amigos e tantos outros milhões de brasileiros afetos a novelas, mas no canal aberto não tinha nada decente sendo transmitido naquele momento... Apareceu um casal junto, antes separados pela megera Judite. Deduzi que a novela chegava ao final. Daí surgiu a ideia desta crônica. O normal seria desligar o aparelho e fazer qualquer outra coisa. Mas segui, acompanhando o desenrolar do capítulo.
Lembrei, neste momento, que quando pequeno, era um alvoroço em casa na última semana da novela. E os últimos capítulos vestiam-se de muita expectativa. Já, desde aquela época e muito antes disso, o final era feliz, os bonzinhos casavam-se, tinham filhos, não perdiam o emprego, nem descobriam alguma doença. Aliás, era no final que se curavam das enfermidades.
As novelas, em partes, imitam a realidade. Algumas histórias, trágicas, infelizmente são o retrato de famílias desestruturadas ou de pessoas com problemas psicológicos sérios. Mas na vida real, nem sempre os finais são felizes.
Desde pequenos buscamos coisas boas, histórias com final feliz. Assim são os contos-de-fada: há o mal e o bem. E este último sempre vence o primeiro. Crescemos e continuamos buscando finais felizes. Mas descobrimos que as histórias que ouvimos na infância não são verdadeiras. E as garotas descobrem que o príncipe está mais para sapo. E os rapazes deixam de procurar a Cinderela, focando-se em mulheres menos encantadoras. Mas continuamos em busca das histórias que terminam bem.
O que se pouco sabe é que mesmo as histórias de Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, inicialmente, não terminavam bem. Eram contos transmitidos oralmente, mas não tinham nada de infantil. Numa das versões, Chapeuzinho bebia com gosto o sangue da vovó, assassinada pelo lobo-mau e noutra, o lobo jantava a garota, literalmente. Só com os Irmãos Grimm é que a história foi para o papel, a figura do caçador surgiu, os bons tornaram-se vencedores e o maus, perdedores.
Na história da Bela Adormecida, a protagonista adormece e é abandonada pelo pai. Fica adormecida, sozinha, em casa. Após isso, o rei, casado, passa pela casa e encontra a jovem dormindo. Relaciona-se sexualmente com ela e a engravida de gêmeos. As crianças nascem e amamentam-se da mãe sonolenta. Ao tentar mamar, uma das crianças chupa-lhe o dedo, tirando a farpa envenenada, fazendo com que a Bela acorde. Um ano depois, o rei retorna à casa da jovem e passa a tê-la como amante. Os finais não eram felizes, nem moralistas. Mas com o passar do tempo, mudaram e foram aceitos popularmente. É o dito final feliz que todos buscam. E nessa busca pelo elixir, mescla-se o que é realidade com ilusão.
Diferente da novela, onde tudo acaba bem e foram felizes para sempre, na vida real, muitas histórias findam numa tragédia, ou acabam apenas tristes. E o mal não tem apenas cara de lobo-mau, ou de monstro, sequer é feio, maltrapilho ou ignorante.
Inclusive, essa linha entre o mal e o bem geralmente não é bem definida. Não tem um rio que os divide, uma cordilheira que os separe. É imaginária e oscila para um lado e para o outro. Estendemos a mão a algumas pessoas e, ao mesmo tempo, prejudicamos outras. Às vezes, a mesma pessoa realiza, concomitantemente, boas e más ações.
Desejamos a realidade. Mas queremos, também, um final feliz. E buscamos essa felicidade completa nas novelas. Sejam elas as pornochanchadas e remakes da Globo, os dramalhões do SBT ou as séries com acontecimentos improváveis dos canais por assinatura. Projetamos na televisão a realidade que somos em busca do final feliz que queremos. E a televisão dá-nos essa falsa realização. Por essas e outras, prefiro livros, filmes, uma volta no centro ou um chimarrão na Praça do Barão.