Lembranças felizes sustentam uma relação?
Parecia que o relacionamento duraria muitos anos. A garota mais envolvida,mais afetuosa, mais apaixonada, assim me contou. Ele demonstrava interesse, afeto,carinho e gostava de permanecer na companhia dela. Os dois juntos era demonstração visível de que se davam muito bem,com as mesmas afinidades,interesses,entendimento, companheirismo e a química parecendo fazer presença. Mesmo muito empolgada com a relação, lembrava-se da fábula clássica, do francês Jean de la Fontaine. E se perguntava: será que ela se aplica ao meu caso? Se for, não me importo! O que diz a fábula? Certo dia brincavam o Amor e a Loucura.Como tudo que se aproxima pode gerar desentendimento, não deu outra. A Loucura descontrolada,característica sua marcante, fere, com uma brutal pancada, o Amor, deixando-o cego. A deusa da vingança,Vênus, consultada pela mãe do Amor, autoriza a reparação do crime, condenando a Loucura para servir de guia ao Amor.
A jovem apaixonada foi se dando conta de que seu escolhido estava confortável em seu descompromisso. Aparecia quando podia e queria e não percebia que o coração da garota estava ficando machucado, perdendo o viço e enlouquecendo. Ela queria mais, desejava um laço mais firme, encontros mais definidos, até ter a permanência da presença. Encontros ocasionais não a satifaziam. Queria a presença constante dele no futuro. Qual futuro se o presente com ele deixava-a feliz? A vida tem dessas coisas e ela, sem mesmo entender as reais razões, foi ficando triste, desiludida, desencantada e insatisfeita. Há um filme americano de 2010,"Namorados para sëmpre", direção de Derek Clanfrance, que conta a história de uma casal em crise e recorda os melhores momentos de felicidade, numa busca de salvar a vida a dois.
Não foi este o caso dos namorados, embora os momentos lindos foram muitos e intensos. Quis confortá-la, fazendo das palavras de Clarice Lispector as minhas: "...Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco, quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." Tentei compreender e entendi que para evitar mais sofrimento, pelas ausências parciais, preferiu uma ausência inteira. Será que ela estava evitando a loucura do amor? Quis, agora, que ela fizesse das palavras de Lispector, as suas: "Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de tempestades, nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite." Torço para que a luz do dia ilumine suas novas investidas e, enquanto seu coração cicatriza, poderá pensar em recorrer aos mistérios e brincadeiras do Amor, acompanhado pelos movimentos inconstantes, por vezes, incompreensíveis da Loucura.