DDD - Diário de Derrotas [5]

[RaFromHell]     diz:

Mano, ter que escrever um DDD hoje já é tiração

Miche¬¬e     diz:

hauhsuauhsauhaha TER

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Eu estava sonhando que o David Gonzales estava subindo uma dessas escadas intermináveis que ficam no centro dos picadeiros de circo e que servem para que os trapezistas alcancem aquela plataforminha; só que ele simplesmente não estava somente SUBINDO a escada: o desgraçado escalava de lado e dava uns chutes no ar tipo bailarina ou Cro Cop - algo realmente admirável e assustador. Ao final da escada - que afinal não era "interminável" - estava a plataforma do quarter da MegaRampa, e, bem, ele pulava de lá e a visão de lá de cima pra baixo dava a impressão de ser um daqueles desfiladeiros que o Coyote caía depois de levar perdido do Papa-Léguas. Quando a poeirinha subiu, eu acordei com o barulho das portas do meu guarda-roupa batendo. MEU guarda-roupa, o que significa que não tem roupa de outra pessoa. Alcancei o celular e vi a hora: 08h50m. No sábado.

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Barulho da porta de vidro da porta da sala batendo e em seguida umas três ou quatro vozes: meu irmão e os amigos dele entrando e conversando. Virei pro outro lado e tentei voltar ao teatro dos sonhos, mas eles estavam falando em voz alta. E falando muito. E falando pra caralho. Um em especial tinha uma voz digna de dublagem de desenho animado da Barbie. Comecei a ficar impaciente. Olhei a hora no celular: 11h57m. Já não me basta acordar de segunda a sexta amaldiçoando a minha falta de capacidade de ter estudado e arranjado um emprego ao lado de casa das 15h às 20h pagando um salário de no mínimo quatro dígitos, eu tenho que acordar no sábado com celeuma de adolescentes que em vez de procurarem descobrir os poderes de uma xoxota, ficam fascinados com os poderes do Goku.

12h27m

Eu deveria levantar, comer alguma coisa e ir na Galeria do Rock logo comprar um jogo de rodas de 50mm pro meu skate e depois ir andar no Vale do Anhangabau, almoçar num self-service e finalizar o rolê na Paulista, mas, no entanto, estou morrendo de sono e preguiça e tem 30 minutos que eu tento voltar a dormir e não consigo porque a conversa no quarto ao lado está ficando cada vez mais animada. Já tem 30 minutos que eu estou cobrindo a cabeça com o travesseiro e inibindo a vontade de ir lá e pegar cada um pelo pescoço e jogar na rua. Já tem 30 minutos que eu estou tentando ser maleável, não ser o chato, ranzinza e velho.

12h30m

Pensando bem: nenhum deles vai me trazer um café da manhã reforçado na segunda-feira e/ou ir trabalhar - leia-se: tomar no cu de todas as formas possíveis - no meu lugar.

12h35m

Estou na cama novamente e agora sim a casa está vazia e silenciosa. O que eu fiz? Levantei, arrimei os cotovelos na janela no quarto dos meus irmãos - meu antigo quarto, inclusive - e olhei na cara de cada um por alguns segundos; tirei algumas remelas, bocejei, cocei a bunda, fiz "nham-nham" (revolvendo o ranço matinal da boca) e simplesmente falei: "Rua". Eu esperava a altercação de sempre com meu irmão, mas desta vez ele ficou quieto. O que me poupou alguns palavrões, sermões, alusões aos benefícios de ser filho único e a vontade de chutá-lo na cara.

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Folclore: de todas as vezes que acordei, a primeira coisa que me saltava aos olhos era(m) as luzes do modem; as luzes "power" e "ethernet" acesas e estáveis. O que significa uma internet estável e bacana.

*

O telefone toca. A pouca fiação e a falta de tempo da minha mãe ainda não permitiram que o maldito telefone ficasse em outro lugar da casa. A minha falta de interesse em fazer qualquer coisa que não seja dormir também. Mas ele tem que ficar no meu quarto. No meu quarto. Eu, que despiroquei e mandei um emprego de 4 anos pra puta que o pariu por que não agüentava mais falar com gente em telefone, Nextel, e-mail e etc; eu, que mandei dois aparelhos de Nextel pro conserto ao jogar os miseráveis no chão em acessos coléricos. Na hora que vou até o filho da puta pra atender, pára de tocar. Olho o relógio: 13h05m.

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Às 14h50 meu irmão bateu as portas do armário da cozinha e soltou um palavrão em voz alta. A cozinha é separada do meu quarto por um murinho com uma abertura de janela e, posteriormente, pela parede do meu quarto; uma parede drywall. Ou seja, parece que ele bateu a porta na minha cabeça e xingou no meu ouvido.

*

Estou olhando pro teto. Eu sempre fico olhando pro teto quando alguma coisa faz meu sangue ferver e eu tenho impulsos assassinos. Foi a vez do meu irmão mais novo trazer os amigos dele pra me acordar. E eles são mais barulhentos. E tem um que eu não posso ouvir a voz sem ter vontade de chutá-lo no estômago; um filho da putinha que eu alimento um ódio amargo e desmedido. Por quê? Porque no começo do ano eu o flagrei fazendo exatamente isso - chutando o estômago - de uns filhotes de gato que eu recém havia adotado. Filhotes. De gato. Pequenos e indefesos. Tiro o travesseiro da nuca e cubro o rosto com ele. São 15h20m.

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19h46m

Bom, consegui sair da cama às 16h00m, xingando deus e o mundo e não consegui ir à Galeria comprar o jogo de rodas. Também desistir de ir andar de skate, porque sempre que tento praticar tal atividade quando o dia começa tremendamente ruim, eu penso em suicídio com uma intensidade tão aterradora que acabei preferindo evitar fazer uma coisa que diariamente faço - pensar em suicídio, eu quero dizer. Já enxuguei todas as garrafas de cerveja que tinha na geladeira - 3 Stellas, 2 Itaipava e 1 Leffe Blond - sem ter comido porra nenhuma.

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Folclore: desde que eu liguei o computador a internet caiu quinze vezes. E foram quinze, porque eu contei. E em três delas eu fiquei pendurado no telefone conversando com atendente da Telefônica. Nas outras doze eu apertei o redial e deixei o telefone fora do gancho. E a cada vez que eu fiz isso, minha mãe torrou minha paciência por estar "gastando impulsos".

*

[RaFromHell]     diz:

Eu já falei que odeio a minha vida

Desisti disso

Agora a detesto

Sheep666 diz:

WHY

*

19h54

O pirralho que agrediu meu gatinho está lá jogando videogame com meu irmão e eu já não tenho mais a mínima vontade de escurraçá-lo daqui. Eu poderia encarar isso como uma demonstração de que as pessoas devem ser perdoadas por seus atos. Mas não posso me enganar de tal forma. Eu o esfaquearia, se pudesse. Mas já não tenho mais fibras de fazer nada além de esperar o feliz dia do meu enterro...

02/07/2011

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 02/07/2011
Reeditado em 29/02/2012
Código do texto: T3071407
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