BOCAGE NA ESCOLA I

Crónica de

Assis Machado

I

Eram quase onze e quarenta e cinco da manhã do dia dezassete de Novembro, sob um sol relativamente envergonhado mas sem frio, quando uma carrinha de nove lugares, com um motorista e um professor no seu interior, buscava um lugar seguro para estacionar nas cercanias do Largo de Alcântara-Terra.

Estavam sendo horas da chegada a bordo da ilustre escritora e poetisa América Miranda. Faltavam dez minutos para o meio dia quando a lídima artista surgiu à sacada de sua residência dando com sua figura digníssima uma estética sui generis à paisagem.

Fomos avistados lá do alto e logo um inteligente sinal nos fez compreender que breve seria a espera. E assim aconteceu. No ritual significativo da apresentação logo aquela carrinha e seus tripulantes ganharam em importância de arte e cultura o que lhes faltava na natural singeleza.

Dona América tomou a rédea do discurso ambulatório para significar que a ânsia de chegar a seu destino a preenchia totalmente: - Ora, vamos lá a essa Escola, que já se me aperta a preocupação de chegar bem... a minha voz ainda não está como eu gosto! O professor mete-me em cada uma ! Mas tudo se há-de arranjar! - Bom dia, senhor ... - Senhor Nabais, Dona América... como o outro !... Bom dia, como está minha senhora, esteja à vontade, retorquiu-lhe o bem disposto motorista.

E a carrinha lá partiu de Alcântara rumo a Santa Iria de Azóia. O percurso não foi extenso. Ao longo do Tejo e pelo Parque das Nações, passando a soberba ponte do Gama das Índias, lá fomos gerindo o tempo, pondo em actualização as triviais circunstancialidades discursivas.

Estavam quase a bater as treze horas quando finalmente chegámos ao Externato da nossa expectação. Bartolomeu Dias de seu nome. O tal da Boa Esperança. Fora este o tal projecto que lhe deu origem, já lá vão umas boas dezenas de anos.

- Lindo sítio, professor ! Muito saudável para toda esta juventude que lhe dá a vida! Até se me abrem os pulmões... Lindo sítio de verdade...

- Já cá cantam vinte e seis anos, Dona América ... e quase sem faltar nunca, disse eu.

- Ora pois, com um sítio destes até eu !

Estávamos nós nestas conjecturas quando fomos interpelados por uma das Directoras do Externato. Escusado será dizer que as cordialidades por parte desta e doutras Directoras, bem assim de todas as pessoas deste Estabelecimento de Ensino, foram as mais requeridas e justas para uma recepção que se impunha.

Enquanto não chegava o outro convidado de honra – a hora aprazada eram as treze e trinta – que era nada mais nada menos que o famosíssimo actor João de Carvalho, filho do ilustríssimo Ruy de Carvalho, Dona América foi conduzida a uma leve visita por algumas instalações desta Escola. Como não podia deixar de ser, quer pela natural e espontânea hospitalidade, quer pela simpatia com que foi rodeada por todos – e à qual a nossa poetisa sempre sabe condimentar com igual galhardia – o tempo depressa passou e a hora do almoço vinha a caminho. Contudo o nosso convidado demorava-se e o tempo escasseava.

Eis quando, finalmente, surge o “desejado” . Tudo parecia recompor-se mas, inesperadamente, com a sua entrada no recinto – quase sem haver lugar aos costumeiros cumprimentos – surge uma avalanche inevitável de criançada a pedir autógrafos ao actor. Foi assim, com naturalidade, que a fama dos “malucos do riso” se impôs.

Assis Machado

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 01/12/2006
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