AO RÍTMO DAS FÉRIAS II

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Por

Frassino Machado

Vou começar por abordar de forma frontal e sem rodeios as questões pessoais que coloquei no final da Crónica transacta. São elas a questão das férias repartidas e selectivas e, por outro lado, a postura humana de cidadania.

Coloquei estas duas questões porque me parecem ser bastante pertinentes. Uma e outra encaram instintivamente dois dos problemas mais sensíveis da sociedade portuguesa: seus hábitos e tradições e a sua mentalidade dominante.

Posto o primeiro problema - hábitos e tradições - em primeiro lugar é, na nossa opinião, nele que reside a origem de um forte egoísmo, direi mesmo, um egocentrismo, já que cada português desde há umas décadas a esta parte se habituou a centrar a gestão da sua própria existencialidade decididamente a partir da resolução dos seus interesses, quer pessoais quer familiares. É vulgar ouvir-se : vou para férias quando muito bem me der jeito... Ora o "dar jeito", comummente, não se basta ao nível dos problemas próprios da vida concreta e quotidiana mas, integra também uma necessidade de afirmação. É preciso verem todos , passado que foi um ano, que já se tem um nível de vida superior: mais coisas, melhor carro, melhores influências, etc. Embora o lugar comum seja dizer-se "vamos para férias descansar..." todavia ainda se mantém o argumento anterior, isto é, a questão da afirmação que, quanto a nós, é determinante. A partir desta realidade e, tendo em conta a necessidade da presença de terceiros ( "para que nos observem" ) torna-se evidente que o agradável tempo de Verão serve às mil maravilhas de horizonte para que as férias para ele apontem.

Daí quase toda a gente escolher o pico do Verão para calendarizar, desde cedo, as suas férias anuais. Juntando a esta questão há a considerar a afluência ao nosso território de emigrantes que, anualmente, escolhem também este período para virem a Portugal. E também eles, e talvez mais eles, sentem essa grande necessidade de se afirmar. Quer dizer que coexistem duas ondas sociológicas a confluir para locais idênticos na mesma altura e, quase sempre, os meses de eleição caem fatalmente em Julho ou em Agosto.

Tendo em conta esta constatação com facilidade entendemos os efeitos e a resultante deste fenómeno que, para os portugueses, é já uma tradição. Necessariamente acontece uma acumulação intensiva de população quer no interior, durante o ano quase ao abandono, quer nas zonas balneares junto ao litoral. Tanto num caso, como noutro, dá-se uma tendência exagerada para o despesismo sem controle com consequências por vezes nefastas.

A este fenómeno há que juntar as frequentes alterações de certos costumes e tradições ( caso de festas familiares, romarias, passeios, certames de vário tipo) com a justificação de que “há mais gente”, logo, dá dinheiro. Recordo aqui a alteração do calendário de festas de Santos que, de há umas décadas para cá, chegam a mudar das datas próprias do ano para os dois referidos meses. Para quê ? Para se aproveitar as tais ondas sociológicas que transportam consigo, todos o sabem, o tão saboroso e ambicionado "el dorado". Todos estes eventos, que assentam na grande movimentação de gente, constituem factores de interesses económicos que despertam na sede fácil dos ganhos.

Que o diga a própria comunicação social que, ela mesma, joga aí um papel decisivo sem que sejam ponderados os custos destes movimentos.

Sendo certa esta análise e, ficando já de referência para uma outra abordagem mais profunda e oportuna, talvez possamos enquadrar melhor os porquês de eventos negativos, muito comuns precisamente nestes dois meses: o número dramático dos acidentes rodoviários ou nas zonas balneares, e, de uma outra forma mais trágica, as permanentes e já tradicionais ondas de incêndio nas florestas do país...

Se as férias fossem programadas com outras preocupações mais sérias e bem planeadas – despidas de preconceitos sociológicos e / ou de outros factores que a eles conduzem – talvez que não lamentássemos cada ano os referidos eventos negativos que paulatinamente vão depauperando não só o património da Nação, como também as forças vivas que deveriam contribuir para o seu enriquecimento e nunca para a emergência de um triste médio prazo colectivo.

No tocante à postura humana de cidadania deveria esta, na nossa opinião, integrar todas as infra-estruturas da nossa sociedade, quer a nível privado quer, acima de tudo, por acção prioritária do próprio Estado. Deveria esta Instituição ser a primeira a dar o exemplo para tentar solucionar os grandes problemas que, extensivamente, abrangem todos os escalões sociais. Ora, quem melhor que o Estado poderá dar o primeiro passo, tentando convencer os cidadãos da necessária adopção de medidas concretas de âmbito colectivo.

Por exemplo, planear dois períodos mais reduzidos de férias para as escolas, em vez dos tradicionais longos três meses. Adaptados os Programas a uma nova gestão, possivelmente não se assistiria ao crónico stress da classe dos professores e dar-se-ia uma maior dinâmica e rendimento às tarefas educativas. Por outro lado, quer as famílias, quer as empresas e outros organismos teriam de se adaptar às novas realidades do País. Para melhor estruturação dessa calendarização global haveria lugar à redução nas ditas férias de pequena dimensão

( Natal, Carnaval, Páscoa ) . Far-se-ia apenas uma paragem simbólica de alguns dias para as tradicionais celebrações.

Na sequência da proposta anterior, porque não se dá lugar a uma implementação de férias com actividades diferenciadas mas de utilidade, quer familiar quer colectiva, para que a inércia orgânica não continue sendo um dos grandes factores de desgaste mental cujas consequências sabemos serem igualmente nefastas ?

Bastará que para tal sejam feitas acções de mentalização e de debate para que toda a sociedade sinta a justeza e virtualidade destas iniciativas. Para isso todas as Instituições deveriam empenhar-se neste Projecto. Mais uma vez destaco aqui a necessária e oportuna acção dos Mass Media , tanto privados como públicos , em todas as suas áreas. Creio que, para concluir, haverá que dar lugar à emergência de muitas outras propostas, não só como experiência reflexiva mas, acima de tudo, contribuindo para despoletar o arranque de algumas iniciativas conducentes a uma global mudança do pensar das nossas populações.

E não julguemos que o nacional-desenrrascanço que prolifera nas chamadas classes produtivas, isto é, falta de organização endémica dos portugueses ou, pior ainda, a circunstancial curva agravada do desemprego que, achamos nós, será passageira, são em si fatalidades insuperáveis, não. Havendo exemplos bem marcantes de projectos arrojados e com sucesso, acompanhados do inteligente apoio das entidades competentes, acreditamos ser possível uma breve recuperação tanto do tecido empresarial, começando pelas escolas, como da mentalidade da nossa sociedade que tenderá a lutar, a curto prazo, para a sua própria modernização.

Dados, aqui e além, os primeiros passos com segurança estou convicto de que ela se tornará mais receptiva, empreendedora e participativa, construindo um solo pátrio para benefício de todos.

Frassino Machado

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 01/12/2006
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