Pé de Jambo.

Eu tenho uma verdadeira adoração por árvores. Subir nelas sempre foi muito mais do que brincar. Uma verdadeira exploração. Mas eu também tinha medo e subia pouco. Acreditava que ao subir, eu a machucava.

E como eu não subia muito, eu ficava embaixo delas, sozinha e falando sozinha. Nunca tive problemas com minha companhia, eu gostava muito de conversar comigo - e para ser real, tinha que ter som, vibração, choro, risos, gargalhas.....

Ah, eu tive a sorte de ser criada no mato. Minhas férias sempre foram no sítio. Assim como meus aniversários, sempre quentes, com muito doce, geleia, e suco de jambo. Muita vitamina C, minha vó sempre dizia.

Se engana quem acha que falar sozinha é fácil. É preciso inspiração, as histórias tem que ter sincronia e para isso eu buscava os melhores lugares. Meu local preferido era embaixo do pé de jambo, no sítio dos meus avós, era enorme, cheio de galhos de escalada. Lá, eu pensava demais, e quando meu avô teve a brilhante ideia de colocar um balanço em baixo dele, eu fui a criança mais feliz da região.

Hoje, com muito menos frequência, quando me deparo com o pé de jambo, ainda dou meus voos naquele balanço. Me sinto como 10 anos outra vez. Mas eu confesso, já está meio torto, as cordas azuis já desfiam e acredito até que tenham sido trocadas.

Mas o pé de jambo continua lá, alto, exuberante, cheio de frutos. Ainda olho para ele, curvando meu pescoço quase ao mesmo tempo em que tento fechar a boca.

Minha irmã, bem mais nova, brincou muito naquele balanço, mas nunca subiu no pé de jambo. Ela aproveitou muito, os vários outros galhos que davam até o topo do pé de nêspera, de manga, de pitanga, mas o céu, visto de cima de um pé de jambo, poucos sabem como é. Eu como já confessei, era medrosa e subia pouco. Mas quando subia, meu coração vinha a boca, minha maior recompensa era pegar o maior jambo. Já na época da minha irmã, tiraram os seus galhos. Talvez por receio de que enquanto continuássemos subindo, subindo, subindo, virássemos um jambo na descida.

Apesar de eu não poder subir mais, aquela árvore é a minha favorita. Ainda sinto a adrenalina da subida, só de descrevê-la. E suspeito que ela também sente falta dos meus pés e braços a agarrando.

Com o tempo, tive a infeliz ideia de considerar que falar sozinha é coisa de gente doida. Eu não né? Alguém me disse e eu acatei.

Mas já faz tempo, reconsiderei essa decisão. Ainda contemplo meu pé de jambo, sim, eu sempre disse que aquele pé era meu, já descobri novas árvores, e quanto a minha mania de falar sozinha, eu nunca parei, apenas acreditei que sabia disfarçar melhor.

Ibeia
Enviado por Ibeia em 02/07/2011
Código do texto: T3070919
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