Indefinido
Parte 1: O perigo não está na rua e sim no sofá.
Já passava das 15 horas e eu havia acabado de acordar, devido a luminosidade excessiva no meu quarto eu não conseguia distinguir muito bem aonde eu estava realmente. Após algum tempo resgatando a memoria necessária que tornaria todo aquele descompasso com o resto do planeta explicado eu decidi me levantar.
Infelizmente não me lembrei por que acordara tão tarde e isso não me incomodou, resolvi abrir a janela e olhar o que estava se passando na minha nova comunidade, ainda não tinha saído para conversar com meus vizinhos e assim descobrir o que tínhamos de bom por aqui.
Algo estava errado com todo aquele povo, alguns pensamentos do meu tempo de colégio insistiam em vir a tona e me explicar toda aquela situação como a forma mais clara e pura do consumismo provocado pelo nosso querido capitalismo hediondo, mas eu sabia que não era bem assim, até podia ser, porém eu me recusava a aceitar que algo tão banal como aquelas simples palavras pudessem catequizar essas pessoas de tal forma.
Nunca fui muito bom nas coisas em que eu fazia, nunca fui o primeiro em nada do que fiz e também nunca tentei ser o melhor. A visão que eu tive ao abrir aquela janela despertou em mim a mais pavorosa sensação de medo cheguei a pensar nA Metamorfose, mas seria engraçado demais um grande besouro asqueroso olhando a janela e se apavorando com as pessoas a sua frente.
Posso descrever aquela paisagem com uma palavra simples: fantoche. Inseridas em uma comunidade sem energia elétrica regularizada, com esgotos a céu aberto, barracos de madeira e drogas, aquelas pessoas só podiam estar perdidas, sem esperança alguma e agarrando-se a qualquer faísca que lhes desse sentido para a vida. Todos conversavam e gesticulavam coordenadamente uns para os outros, porém eu não ouvia nada e talvez aquele silencio representasse realmente o que eles queriam dizer.
A busca incessante pelo primeiro lugar levou aquelas pessoas marginalizadas a um novo status social, não brigavam por uma melhoria de vida, afinal se não eram regularizados, não pagavam impostos e consequentemente sobrava mais dinheiro para o relógio novo de platina. Sorriam de uma forma que me dava raiva, era como se soubessem de alguma coisa sobre A vida o Universo e Tudo mais e não iriam me contar o que era.
Não foi preciso muito mais do que 10 minutos observando aquele cenário para inferir essas coisas, seus olhos eram opacos e inexpressivos, seus sorrisos eram forçados e sem ânimo, suas roupas eram de marcas caras e desbotadas pelos significados que davam a elas. Acenei para um ou outro desconhecido que me ajudara no dia da mudança e fechei a janela.
Como de costume preparei meu café da manhã bem reforçado, pois de alguma maneira eu sentia que hoje o dia seria longo. Sentei-me para comer e liguei a TV, fiquei ali por horas sem dizer uma palavra, talvez eu não tenha nem piscado afinal ninguém repara mesmo nessas coisas. Quando me dei por si, eram 20 horas e eu ainda estava com fome, peguei meu telefone e pedi minha pizza preferida.
Em quanto esperava, peguei meu notebook e naveguei pela internet durante algum tempo, conversei com amigos e mulheres que eu me casaria imediatamente se fosse do agrado das mesmas. Ao sair para pegar minha pizza, tive a visão de que eu já estava de alguma forma me inserindo na minha nova vida, não havia ninguém na rua, nas vielas ou em lugar algum. Todas as casas com suas luzes acesas, todos quietos como se o toque de recolher estivesse de volta a cena naquele lugar. Paguei pela pizza.
Não resisti e fui à janela entreaberta e fiquei tentando observar o que se passava nas casas mais próximas, lá estavam eles sentados comendo, sentados no computador, sentados na novela, sentados. Não havia um sinal de reprovação no que estavam fazendo era como se a vida se resumisse a um roteiro simples de um cineasta amador:
Acordar, trabalhar, voltar para casa, comer e dormir.
Imediatamente coloquei minha pizza no forno e sai correndo para o restaurante mais próximo dali, a sensação de acabar daquela forma era insuportável, o conforto e a comodidade da minha nova casa agora me parecia uma sala de tortura onde cada elemento tecnológico que eu utilizasse me custasse um rim ou um figado.
Eu nunca fui o melhor no que eu fiz, nunca fui o primeiro, mas também nunca tentei ser o melhor. Eu ainda não sei o que fazer para viver do jeito que eu acho ideal, pois ainda não descobri o que é o meu ideal, mas de duas coisas eu tenho certeza, pelo menos, eu não quero acabar sentado no meu sofá comendo pizza em uma sexta-feira anoite e, sem dúvida, a pizza que eles servem no restaurante é muito melhor do que a que eles entregam.