DE VOLTA AO JARDIM DE INVERNO

Ali eu vivia uma infância simples e saudável, naquela rua de bairro pobre que hoje tão efusivamente os políticos a classificariam como território de classe média.

Lembro que minha casa era recém construída e também que as crianças, os meu inúmeros amigos do bairro, a achavam a mais bonita da rua.

Quando somos crianças nossas referências são muito mais simples e talvez, por isso, sempre somos irrefutavelmente mais felizes.

A casa , de fato, chamava a atenção pelo jardim de inverno que ostentava logo à sua entrada, rodeado por paredes de vidro donde desciam várias samambaias, trepadeiras e coloridas flores de antúrios.

Nelas, nos dias mais frios, eu grudava meu nariz e ficava soprando minha expiração quente, sempre encantada, vendo o embassamento das janelas nelas fazer desenhos e perguntando para minha mãe porque que aquilo ocorria. Ela me explicava do seu modo simples de entender as coisas.

Então, eu me divertia desenhando uns corações a sempre reverenciar meus (ainda) tão mutáveis encantamentos.

A vida por ali parecia não correr, a não ser pelas enxurradas dos meios fios que, depois das torrenciais chuvas do verão, levavam nossos corpos de crianças ribanceira abaixo pelo declive da nossa rua sem saída. Era a nossa maior diversão.

Carinhos de rolimãs e pipas de jornais eram as maiores ostentações dos meninos, notícias em nada nos interessavam, e eu, era praticamente a única menina daquela rua.

Meu aniversário chegava, e confesso, nunca abandonei a alegria de comemorar a vida, tampouco abandonei minha paixão por gente.

Eu sempre ganhava um bolo duma tia boleira, a "tia- preta", era assim que a chamávamos carinhosamente nossa querida tia cuja cor da pele era a antítese da nossa. Uma das tias mais presentes que tenho na memória.

O bolo , daquela vez, tinha um formato de coelho de coco, bem orelhudo, e eu comemorava dez anos.

E aos poucos, naquela minha semana de aniversariante, bem informalmente fui convidando todos os meus amigos da rua.

Chegada a hora da festa meus pais levaram um susto: Boca a boca, não tinha como colocar tanta gente na nossa edícula de festinhas.

Nunca atentei que meus amigos fossem tantos...

Lembro-me que minha mãe e minha tia foram para o fogão para, em caráter de emergência, prepararem algo a mais que enchesse a barriga daquela meninada toda, que também foi acomodada no jardim de inverno.

Foi a festa mais divertida que minhas recordações alcançam.

Depois dos parabéns, lembro-me que avancei na degustação do bolo pela orelha direita daquele saboroso coelhão de neve. Decerto que, em poucos segundos, alguém ficou sem coelho.

Não cantávamos o "com quem será?", posto que ainda nos havia todo o tempo do mundo para adivinhar e viver...o futuro.

Mas...por quê lembrei de tal fato agora?

Não sei se viram, dia desses a mídia internacional revelou que em Londres, se não me engano de cidade, os pais duma garota viveram a mesma situação.

Via facebook, pela Internet, descuidadamente uma garota revelou seu aniversário de debutante como evento e a cidade toda apareceu para comemorar. Foi um fuzuê! Fiquei imaginando o susto daqueles pais...e o caso foi parar na polícia.

Assim que vi a imagem, de súbito, me transportei à minha rua, lá na minha festinha de dez anos, em pleno jardim de inverno.

Conclui: sem sombra de dúvida somos a mesma essência através dos tempos.

Mudam apenas as nossas estações.