Escritor: apanhador de sonhos

Há algum tempo falava de nossa habilidade em pensar novas possibilidades para fatos que já acontenceram, sejam eles históricos ou pessoais, e meu colega Heitor Herculano me lembrou o potencial criativo do "e se..."

Muitos escritores iniciam se perguntando como seria o mundo se algo não acontecesse ou se algum aspecto de nossa vida fosse retirado ou supervalorizado. Caso, por exemplo, de Aldous Huxley e Neil Gaiman.

Heitor Herculano me levou a pensar sobre algo muito mais profundo e abrangente que o "e se...". Tentando entender o sentido da especulação acabei sem querer tentando entender o sentido da própria ficção.

Mário Vargas Llosa costuma dizer que inventamos a ficção justamente para nos divertir, esse é o seu sentido. A ficção é uma maneira de suportarmos a realidade, continua ele, é uma espécie de mecanismo de defesa do homem. Ficção é sonho e muitos acreditam que o homem é único justamente por essa capacidade. Sonhar não apenas no sentido literal, de imaginar algo enquanto dorme, mas toda forma de sonhar.

Muitos acreditam que o homem é dos seres o único que não está nunca satisfeito. Essa capacidade é a razão de sua maior força e de sua maior fraqueza: ela gera a superação, por um lado, e a megalomania, por outro.

A ficção está inserida no campo da superação da realidade, ela subverte a realidade, mas não de uma forma concreta. Uma coisa é você construir uma ponte para atravessar um rio e outra é imaginar atravessá-lo se tivesse asas. No entanto, ocorre que a ficção motiva muitas mudanças materiais da realidade: afinal, sonhar com asas não gerou o avião?

A ficção nasce dessa nossa capacidade de sonhar, verdadeira necessidade. No entanto, ela pode ser ora realista e ora totalmente fantasiosa, como os sonhos que costumamos ter enquanto dormimos. Histórias plausíveis tem o poder de nos fazer imergir no enredo, tamanha a verossimelhança. Histórias mais extraordinárias, por sua vez, podem nos deslumbrar um mundo totalmente diferente do nosso e aqui é o encanto que nos ajuda a absorver a trama.

Seja como for, o mundo está cheio de histórias. Não só nos livros, mas na tradição oral também. Lembre-se dos causos, do folclore, das anedotas. A ficção não pode ser detida, presa em um círculo de erudição. Ela é mais que isso. Ela flui por todas as esferas da sociedade. Afinal, sonhar não é proibido.