Palavra – a ilha do homem

(inspirado no curta “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado)


Em Porto Alegre está a Ilha das Flores, que, por não ter muitas flores, não é tão alegre. Na Ilha das Flores sem flores, de Porto Alegre não tão alegre, existe um aterro sanitário, chamado lixão, para onde são levados tomates e restos de outros vegetais e em que convivem porcos e outros animais. Um deles é o homem, que pensa e tem polegar opositor que o diferencia dos outros animais e o habilita a revolver o lixão e catar o que outros homens não quiseram e os porcos rejeitaram.

Os homens, porque pensam, se julgam mais inteligente que os outros animais. Contudo, fazem coisas com a sua própria espécie, ou contra ela, que nenhum outro animal faria: compram outros homens e se vendem, e até se matam por dinheiro, que foi criado pelos homens para uns terem mais que outros, levando os que não têm a revirar o lixão. Os outros animais não precisam de dinheiro, preservam suas espécies e matam outros animais apenas para se alimentar e sobreviver.

Para sobreviver, o homem precisa mais do que pensar, ter dinheiro ou catar coisas no lixão com seu polegar opositor: precisa se comunicar. Para isso, cria símbolos, dentre os quais, a palavra.

A palavra está em todo lugar: no “uga-uga” do homem das cavernas, no “gugu-dadá” dos bebês, no “be-a-bá” do alfabetizando, nos grãos de arroz dos japoneses, nos gritantes outdoors mudos, na garganta do feirante, nas arrobas dos emails e até, quem diria, na Ilha das Flores, naquela prova que a mãe da aluna jogou fora e que serviu para a criança enrolar o tomate que a mulher nem o porco quiseram.

A Palavra é uma ilha, cercada de significados por todos os lados, às vezes usada para definir flores com tal maestria que, ao lê-la, quase se sente seu aroma. Outras vezes usada para agredir com tal brutalidade que, ao verberá-la, quase se sente o seu golpe.


Dessa ilha vive o homem, que pensa, que compra, que se vende, que convive com animais, às vezes sendo o pior deles, mesmo pensando e usando a palavra.