Carimbos e Lagoa Azul

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

A voz na minha cabeça repete isso, enquanto minha mão vai na direção da almofada de tinta azul, mergulha nela o carimbo DOMINGO, e depois volta e bate nos dias 31, 24 e 10. Minhas falangetas estão azuis, e a última letra O sempre sai borrada.

Sei que teremos cinco domingos no mês de Julho de 2011. Também teremos cinco sábados.

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

Trinta e um (PAF) vinte e quatro (PAF) dezessete (PAF)

O jeito mais prático que encontrei de demorar menos é deixar cinco cartões lado a lado e começar a bater os DOMINGOs pela segunda quinzena; depois, coloco-os na primeira quinzena e o mantra muda.

Três (PAF) Dez (PAF)

Três (PAF) Dez (PAF)

Três (PAF) Dez (PAF)

Três (PAF) Dez (PAF)

Três (PAF) Dez (PAF)

Teremos dois DOMINGOs na primeira quinzena de Julho de 2011. E também dois sábados.

O carimbo FERIADO está no suporte, pendurado, e dele, antes do dia 7 de Setembro, só sairá se por algum acaso alguém derrubá-lo de lá. Na verdade, ele sairá no dia 31 de Agosto, que é quando farei os cartões de Setembro.

Se eu estiver vivo.

Depois de DOMINGAR 100 vezes (são 20 cartões), é a vez de SABADEAR – também 100 vezes.

Obviamente, o mantra é outro.

Dois (PAF) Nove (PAF)

Dois (PAF) Nove (PAF)

Dois (PAF) Nove (PAF)

Dois (PAF) Nove (PAF)

Dois (PAF) Nove (PAF)

Às vezes eu faço a inversão da seqüência, mas acabo errando o dia. A voz da minha mente não gosta de oposição. Eu também não gosto de retrabalho, portanto, vou seguindo a ária. Viro os cartões. Viro o disco.

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Trinta (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF... errei)

Passei pelo menos um, dos três meses que estou aqui, corrigindo etiquetas que meu antecessor escreveu "deseceis".

Entre o DOMINGO e o SÁBADO tem cinco lacunas na vertical e quatro na horizontal. Nelas, horizontais, preenche-se o horário de entrada e saída, tanto do expediente, como o do almoço. Sei que horas entrarei e sei que horas eu sairei, tanto no expediente, como no almoço. Meus dias estão pré-programados a perder de vista.

Tem gente que agradece a deus (com minúscula) por isso.

Eu agradeço uma amiga, que me indicou neste emprego.

Deus (agora com maiúscula, porque é início de frase) me deixou meses sendo vitimado pela sucção de energia que entrevistas de emprego suscitam num ser humano que cria as mais bonitas e sonhadoras expectativas e as vê todas escorrendo ralo abaixo. Não foi por falta de tentar. E não foi por falta de capacidade. E até timidamente agradecê-lo pelas oportunidades de tentativa eu o fiz. E ele se mostrou o de sempre.

Bom... Deixa esse cara pra lá.

Ainda faltam 68 SÁBADOs.

Tem um cesto de lixo do meu lado com cerca de seis cartões que eu errei o CNPJ ou carimbei o nome da empresa de ponta cabeça; ou errei no horário ou carimbei um SÁBADO num DOMINGO.

Não consigo me concentrar direito com esse monte de ladainha entrando no meu ouvido sem pedir licença. Às vezes eu até me sinto mal por ter tanta aversão a gente que fala "nóis vai", mas invariavelmente o que vem logo após debulha com minha sazonal faceta magnânima.

Eu bocejo, eu suspiro; eu tento recuperar a minha concentração. Parece drama, mas minha cabeça dói de tanto ouvir essa voz. Já não suporto mais ir dormir com essa maldita voz na cabeça; com os ecos de tanta mediocridade e filosofia rasteira ricocheteando nos meus tímpanos.

Aos cartões, novamente.

Segundo todas as lacunas entre um SÁBADO e um DOMINGO, teremos 22 dias úteis para 10 inúteis.

Parece justo... (Que atire a primeira pedra aquele que discordar!)

Não sei o que farei nesses 10 dias não-programados... Sentar no meu quarto e ver o dia passar sem vê-lo? Preciso da minha misantropia de volta!

Ou será que passearei e encherei a cara até não conseguir mais lembrar o caminho de casa? Patético... Bebo pelo gosto, bebo pelo gole, bebo pela parcial ebriedade; bebo pelo fino véu de fantasia que a bebida põe nos meus olhos após algumas garrafinhas... Não preciso passar mal - tenho cinco dias úteis pra isso.

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Dezesseis (PAF) Vinte e três (PAF) Trinta (PAF)

Acabou... Organizo os cartões por ordem alfabética, ajeito-os todos certinhos, colados, e passo um elástico em volta. O elástico enrosca nos pelinhos dos dedos. Dói um pouco.

Seiscentos e vinte dias amontoados, sendo duzentos de descanso e quatrocentos e vinte de reprise.

Tipo a Lagoa Azul.

Jogo o pequeno calhamaço num envelope e coloco o SÁBADO e o DOMINGO de volta no suporte.

O FERIADO ficou entre os dois.

O cabo do carimbo FERIADO é azul.

29/06/2011 - 19h10m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 30/06/2011
Código do texto: T3065644
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.