O mundo TE incomoda ou será que morri?
(23/1/2011 - noite)
Acordei hoje de um pesadelo, em que eu tentava afastar as mãos de um velho e de uma velha que tentavam me incriminar por algo do qual eu estava (deles mesmos) sendo vítima, e eu gritava, e eu esperneava para o velho me largar, chamava-o de velho nojento, nesse momento a velha pegava com força em meu braço, e eu queria me libertar, eu queria sair dali, me deixem em paz, me larguem, me soltem, saiaaaaaaaaaaaam!
Um sonho ruim pode muitas vezes ser o alento que te mostra, ao acordares, que ainda estás vivo. Ou que tua morte continua mesmo após algo já tão ruim. O que é vida, ao olhar ao redor e só perceber as desconexões e disfunções que o tempo e o espaço, diminutos, entrecruzam na tessitura dos minutos e segundos? São poucos segundos, intensos, às vezes tão parados, em detrimento de toda a glória ou felicidade que houveres tido pela semana inteira.
A internet quer brincar comigo: diz conectado, conectando, acesso limitado, mas a verdade – se alguma há para além dos simulacros – é que Baudrillard está morto... como meu pai, a quem eu gostava de contar de minhas histórias... como Saramago, de quem eu lia muitas histórias vivas... como eu mesmo, que já não sei se vivo fora ou dentro de uma história que leio e escrevo sem saber como lidar primeiro... Estou na minha mão inquieta, nos meus olhos desiludidos, na minha arcada dentária contrita por demais, na minha barba por fazer, mas aqui e só depois então ali, não parece haver a harmonia do todo, quero conviver mais com o amor-próprio tão caro a Osho, mas acho que meu destino é ser caquinhos sem a mesma benção de Emília, não é, Lobato?
Até que a Itapema tá me fazendo menos infeliz... Mas esse x do MSN me quebra por demais... Troco um x de proibição por o menor x de tesouro que seja: um amigo a me visitar, a presença de minha mãe (que um dia morrerá e já sofro há anos com essa maldita verdade), as piadas do meu irmão – Meu Deus, meu falecido pai novamente, por que tão vivo em mim ainda? – quero um porto amigo para atracar, não adianta que tu me esfregues, consciência, o jornal enlameado na cara: sim, são mais de 700 mortos no Rio, mas não posso me fazer feliz pela desgraça alheia, não é minha dor interna digna de comparação com tamanho desastre, e tamanho desastre não tem culpa nenhuma de meu cataclisma de hoje. Sentir-se sozinho é a pior presença para alguém: imagine o quão apertado é o abraço da solidão, esta besta que tão sozinha vive, insatisfeita consigo mesma por não poder ser ausência.
A água já penetra pelas paredes, enquanto a chuva corre ali do lado, por baixo da manilha que finge ser forte. Cimento nada mais é que uma certeza condicionada à fé das águas. Água para firmar, água para levar. Minha fé anda ilhada, sobre algo que flutua enquanto afundo não sei por que. Sou ilha, barco ou profundezas? As três juntas, tu me dizes, angústia, atiçada que anda nos dedos que coçam sem poderem decidir, creio ter mais de um norte, e nada disto parece ser sorte.
As caixas de papelão estão bem úmidas, porém secas, seria realmente apreciável se não fosse pelo ataque à minha própria saúde... mas que há comigo, afinal? Reclamar pela vida, se me sinto tão morto diante desta coluna tão dolorida? A mão direita pesa em suas articulações, e eu creio que a lâmpada incandescente, apesar de me esquecer, me aquece, é muito mais minha amiga que esta formiga que insiste em morder meu tornozelo sem se preocupar que a matarei tão logo a coceira passe a me incomodar.
Há incômodos positivos e negativos, não penso binariamente mas eis algo em que acredito, além da cor verde e do café com leite num dia de outono naquele café aonde não vou mais, ali em que eu e o Ingo conversamos uma vez sobre a vida... Aquele dia está gravado na minha alma pelo tanto do vento de fora e do calor de dentro... ambos estavam em harmonia e isso fez eu me sentir, humildemente, feliz com minha condição humana.
Telefone com dois chips e nenhum sinal... nem de área nem de lírio. (Que se registre isto para a débil posteridade de dois ou dez anos a frente). A cadeira da dentista de olhos saltados e azuis me trazia muita paz, e eu já sinto falta daquela injeção com tranquilizante... o cheiro bom daquela sala... que me importa o bisturi, quero mais é lembrar da paz que encontrei ali... só me restou este siso no canto desta caixa de papelão úmido. Preciso jogar tudo isto fora e cultivar uma nova dentista.
Hoje estou incomodado com o mundo, não sei se ele o está comigo, mas desconfio que morri e terei de esperar um pouco pelo efeito sintético da felicidade prescrita pelo neurologista. Viver às vezes é medicar-se contra o tédio, e eu só queria ser a favor de um incontornável estrondo neste momento. Detesto ter que escrever para afastar-te, apatia. Pega todo este entulho e te vai com os outros leitores.
Minha alegria está voltando, vejo-a ali na manhã seguinte, como quem se atrasou e pede desculpas com um abraço de sincera saudade comedida. Comédia é esta vida, e o drama só enche a linguiça que a tragédia teima em engolir sem mastigar. Burra.
Até que eu poste estas palavras a internet já me terá levado algumas semanas de vida (ou ao menos minutos preciosíssimos de saúde), e eu já não sei como isto tudo vai acabar, porque o tempo e a cena e o espaço e os personagens foram todos distorcidos pela falácia da praticidade dos teus quilobáites, infrutífera e frágil tecnologia vã. Eis o vão.
A esperança já não é mais – se algum dia foi – a última que morre, mas a conexão sim, esta é a última que se liga na questão. Ser máquina é não se preocupar, é ligar ou desligar por vontade ou problema alheio, nunca de si. É se e só, minúcias é astúcia para o homem que precisa preencher a espera com o que o desespera. E eu não sei, já era.
Eu tenho é raiva de mim, pretender tornar literário o que eu deveria resolver com meus passos e meus punhos, ser escritor não deveria ser mais que tornar nossa patética impotência consumível? Se correr o áporo cavoca, se parar o áporo emerge, parado o áporo brota: o áporo é um câncer, isto sim, porque a verdadeira flor é vida, não este cogumelo amargo que mastiga a minha boca enquanto me calo.
Deus te abençoe, Drummond, que não viveste para adoeceres com a bomba silenciosa e cotidiana da ineficácia prevalecente. Nada de enjambements, que cada parágrafo é pausa para a máquina, não para mim. Nem e-mails nem blogs, no fundo de uma garrafa é que encontrarão minhas últimas palavras, boiando sobre as águas, a salvo das tempestades, dos incêndios, e bem mais veloz que as antenas do omisso provedor.
O texto persiste e não tem fim, porque é um caso de escolha. Que não foi minha. Quis os deuses que os virtualizássemos, hoje estamos, pois, às margens do real, e a o último a apagar a luz é sempre o led do meu hub. O caminho se fez enquanto eu me despia de tudo e tu não te desapegavas de nada, agora tens tudo diante de ti, que de nada ou pouco te servirá, pois em verdade, em verdade te digo, falso amigo, que já o tinhas, só precisavas de mim para chegar até aqui: as luzes acabam de reascender em algum lugar que julgo meu, e eu me debati enquanto podia na escuridão a que havias me relegado, agora volta lá e descobre por ti mesmo a origem deste pequeno furo.