Estupro, estrupo, instrupo ou istupro, como é que se diz?
Foi durante a chamada. Perguntei a Cláudia, aluna de sete anos, porque ela havia faltado no dia anterior:
- Fui numa festa no presídio do meu pai – respondeu faceira.
- A tá. Respondi tentando não alongar o assunto, mas Daniel, de oito anos e o mais curioso da sala logo perguntou:
- Teu pai tá preso?
Antes mesmo que eu abrisse a boca Cláudia respondeu orgulhosa:
- Tá sim, ele tá lá no presídio Esmeraldino Bandeira conhecido também com Galpão da Quinta da Boa Vista.
- E por que ele tá preso? .Insistiu Daniel.
- Daniel a curiosidade matou o gato. Vamos à chamada. Disse
Numa tentativa de desviar o assunto, mas Claudia sustentando seu sorriso deu a deixa.
- Não tem importância não tio, eu posso falar.
- Não é preciso falar o motivo, Claudia.
- Mas eu não ligo, foi Estupro.
- O que? Perguntei num susto.
Cláudia certamente sorria da minha cara de assustado e respondeu tranqüila
- Ele estuprou minha prima de doze anos.
Voltando a mim resolvi dar o assunto por encerrado.
- Ok, já basta. Agora a chamada. Claudionor...
- Tio...
- O que é Daniel?
- O que é estrupo?
Antes que eu respondesse Cláudia disparou na frente.
- Não é estrupo, é estupro.
- É estrupo sim, minha mãe fala estrupo.
Tentou Daniel apelando aos conhecimentos maternos.
- Então tá explicado porque você é tão burro. Disse Claudia num tiro.
- Cláudia, respeite seu colega...
- Mas ele fala estrupo, tio.
- É estrupo sim... Opinou Eliseu de dez anos.
E de repente todos resolveram dar opinião;
- Instrupo
- Istupro
Ficariam ali a tarde inteira tentando descobrir a verdadeira pronuncia da palavra, mas Claudia tomando a frente recorreu a minha autoridade
- Tio é estupro ou estrupo? Como é que se fala?
- Estupro. Respondi baixinho, constrangido.
- Viu seus burros, é estupro. - E seguiu repetindo alegremente- Estupro, estupro, estupro...
Impressionado com sua euforia tentei mais uma vez dar um basta no assunto.
- Agora já chega, vamos à chamada. Claudionor...
- Tio?
- O que é desta vez Daniel...
- O que que é esss- ttuuu- prrro.
- Ai, até que enfim aprendeu a falar direito.
- Cláudia, por favor... Deixa o coleguinha falar.
- Ah! Tio só tô querendo que ele fale direito, o senhor não disse que falar certo é bonito?
- Pois bem Dona Claudia, já falou certo. Agora encerramos o assunto. Claudionor...
- Mas tio o senhor não disse o que é estrupo. Insistiu Daniel.
- Estupro!
- Cláudia, sem gritos, por favor.
- Mas tio...
- Nem mais nem meio mais.
- Vamos tio, diz logo o que é ES- tu- pro.
- Bem – cocei os poucos cabelos que ainda me restam, engoli a saliva e fui direto - estupro é quando um homem violenta uma mulher
- E como um homem violenta uma mulher? Perguntou Daniel.
- Ah! Daniel vai dizer que você não sabe - atravessou-se Eliseu - É quando o marido enfia a porrada na mulher.
- Eliseu atenue os termos.
- O que?
- Fale direito
- Ué tio, porrada não tá certo?
- Não porrada é palavra de baixo calão, é palavrão.
- Ué, mas meu pai vive dizendo porrada não é palavrão. Palavrão é puta que pariu.
- Chega. Vocês me tiraram do sério. Continuando a chamada... Claudionor...
- Tio o que é violentar?
- Pela mãe do guarda, Daniel.
- Violentar é bater na mãe do guarda? "
- Não, é uma expressão.
- Violentar uma mulher é uma expressão?
- Não, Daniel, violentar uma mulher é obrigá-la a fazer sexo.
Com os olhos brilhantes Eliseu tomou a frente assim como quem mostra que entendeu:
- Ah! Já sei: tipo filme de sacanagem, né tio?
- Eliseu poupe-me de seus comentários
- Ué tio, o senhor não disse que a gente não pode ter medo de dizer o que pensa...
- É, mas calar às vezes é bem melhor do que falar e além do mais que estória é essa de filme pornográfico?
- Não é filme pornográfico, é filme de sacanagem.
- É a mesma coisa.
- Meu pai diz que eu tenho que assistir para aprender como se faz...
- Certo, então eu vou conversar com seu pai sobre isto na próxima reunião...
- Ih! Tio nem adianta, ele não vem nas reuniões... Ele trabalha...
- Falo com sua mãe.
- Também não vai dar ela também, trabalha...
- Tá então falo com quem estiver na reunião, agora já chega. Quero fazer a chamada: Claudionor...
- Tio eu ainda não entendi o que é estrupo
- Estupro... Insistiu Claudia
- Claudia, por favor...
- Mas tio ele não sabe falar...
- Daniel, estupro é quando um homem força uma mulher a fazer sexo com ele sem que ela tenha vontade.
- Mentira tio... Disse Claudia com um tom de desprezo.
- O que Cláudia? Mentira?
- Mentira sim. Estupro é quando um homem come uma mulher e depois ela da queixa na polícia.
- Cláudia, pelo amor de Deus... Quem te disse isto ?
-Todo mundo!
- Todo mundo quem?
-Todo mundo, tio, minha mãe, minha vó, minhas tias, meus tios.
- Cláudia, tua prima tinha doze anos...
- Ah! Tio, mas foi ela quem provocou meu pai. Ela só andava de shortinho, saía do banho enrolada só na toalha...
- E daí?
- E daí tio? Dai que ele é homem, e homem não se controla, come mesmo. É a mulher que tem que se dar ao respeito.
- Cláudia, volto a dizer, tua prima só tinha doze anos.
- Tio, minha vó disse que safadeza não tem idade. Quando uma mulher nasce pra ser perdida não tem jeito vai ser perdida mesmo.
- É mesmo tio, uma vez cachorra, cachorra sempre.
- Eliseu por favor.
- Só dei minha opinião...
- Claudia, mas sua prima não escolheu ser perdida...
- Ah! Tio o senhor nem conhece minha prima...
- Mas sei que ela é uma criança.
- Ah! Tá criança, ela nunca foi criança, desde pequena ela já dava pros meus outros primos e até pro padrasto dela... O problema é que quando meu pai fez com ela sangrou , ela fez um escândalo e os vizinho chamaram a policia. Aí ela se fez de vitima e o meu pai levou a culpa.
- Então se alguém estupra uma mulher a culpa é dela.
- Claro, o homem só estupra se a mulher não se dá o respeito.
- E o que é se dar ao respeito?
- É não dar mole né tio?
- E o que é não dar mole?
- É se vestir direito, não ficar dançando o créo, não sair do banho só enrolada na toalha, não ficar sentada no colo dos homens mais velhos... Tudo isto tio"
- Então quem dança o créo quer ser estuprada.
- Não, mas não pode reclamar se algum homem quiser abusar dela
- Todos concordam?
Fez-se um silêncio sepulcral.
.
- Bem vamos à chamada, Claudionor... Claudionor.
- Faltou tio.