""Grilos"

Diante da complexidade do ser humano, é melhor, penso, ter uma posição entre realista e cética. Dar às pessoas um voto de confiança, acreditar na sinceridade e na pureza de intenção de todos até prova em contrário. Ignoramos, é certo, o agente determinante de toda ação. De um modo geral esperar tudo de todos sem muito espanto ou trauma.

Cada um de nós é a soma de sonhos, frustrações, esperanças, ideais, desilusões em permanente confronto com circunstâncias internas e externas de vida e, principalmente, em confronto com os outros que exigem de nós atitudes e respostas às quais não podemos nos furtar. Tudo isso vai moldando continuamente nossa personalidade, num devenir constante que só termina com a morte. A única coisa que trazemos conosco desde o berço é uma certa linha diretriz em torno da qual oscilam essas variações. O que para uns é de importância vital, não atinge a outros nem de leve. Assim vamos estabelecendo uma escala de valores única e pessoal pela qual pautamos nosso relacionamento social e com as pessoas. Trazemos a marca de um passado que nos lança do presente no futuro. Estas experiências as aceitamos (aceitação) ou as rejeitamos (revolta). São estas as duas atitudes fundamentais que podemos ter diante da vida. Isto ao nível do indivíduo. Pondo todos estes seres cambiantes dentro da arena... que Deus nos acuda!

O mais importante e talvez o mais difícil, é saber conviver consigo mesmo. conhecer-se, aceitar-se nas limitações. Porque enquanto não nos aceitarmos, não poderemos aceitar os outros, é inevitável.

Eu olho muito em mim, não por narcisismo, mas porque é o único material de que disponho pra procurar entender os outros. Quando se tenta descer aos subterrâneos da alma, esta espécie de poço sem fundo, o que aí se encontra é um emaranhado de contradições, conflitos, dúvidas, perplexidades. Há ainda o que se diz, o que se pensa, o que se queria dizer e não se disse e aquela zona nebulosa onde os pensamentos se formam e onde às vezes perdem a forma não conseguindo ganhar consistência. Não! Não estou esquecendo da graça (dom, centelha divina) que intervém sempre a nosso favor e se não fosse Deus a nos sustentar, jamais chegaríamos ilesos ao fim deste labirinto.

A gente olha o semelhante e vê um mundo fechado e hermético para nós e como nós onde se agitam os mesmos anseios, etc. Temos de entrar em contato sem radar nem bússola para nos guiar. É como brincar de cabra cega. É sempre a mesma história: o que se é, o que se gostaria de ser, o que se aparenta ser, o que se é para os outros. Mas qual o que! Na hora do confronto, entra-se em cena com força total. Quantas e quantas vezes não fazemos a experiência da afirmação do Apóstolo: “por que não consigo fazer o bem que quero e faço o mal que não quero?” Ou a de Virgílio em seu poema Eneida: “Vídeo meliora proboque, deteriora sequor” (Vejo o que é melhor, provo e sigo o que é pior). É meio triste e desencorajador. Quantas vezes diante de uma situação desastrosa a intenção tinha sido a melhor! São os encontros e desencontros de cada dia. Quantos encontros ocorrem realmente ao longo de nossas vidas? Quantas vezes conseguimos, de fato, uma abertura real da alma e do coração sem hipocrisia nem subterfúgio? Pouquíssimas vezes, acredito. Medo? Talvez. Incompetência na maioria dos casos. São os desencontros que dão Ibope, não te parece?!