A Morte da Égua
A égua morreu. Não de morte morrida, mas de morte matada, como diriam antigamente. A rua inteira presenciou a cena cruel e desumana de sua morte. Uma morte que virou manchete de jornal. O dono já de muito tempo, enchera-lhe de maus tratos. As dores do animal que vivia tristonha, faminta de carinho e de alimentos, foram aumentadas pelo excesso de peso que ela era obrigada a carregar. Vez por outra, a égua levantava o focinho à procura da mão caridosa que lhe trouxesse a água, a comida, o afago. E nada vinha. A égua queria outro mundo, outra vida para esquecer a vida miserável que tinha. Seu dono só queria seu trabalho sem dar nada em troca.
O nada era assim tão difícil para ela que tanto se esforçava em fazer tudo que ele queria. Só uma coisa a preocupava e muito: o dono malvado, carrasco de éguas indefesas. Quando ele a batia, ela não sabia muito bem o que fazer e por isso se esforçava puxando a carroça rapidamente, mesmo sem saber exatamente para onde ir e para onde não ir. Eram aí que lhe nasciam os ferimentos no lombo e nos cascos. Na verdade, a égua queria entender as razões da malvadeza do dono, se ela fazia tudo o que ele queria. Por vezes, era fácil ver a égua correndo pela rua puxando uma pesada carroça cheia de papeis e bagulhos com seu dono em cima.
Aconteceu que, ao atravessar a rua, deu uma trombada com um carro. Tudo porque seu dono a obrigara a avançar o sinal. A trombada foi feia. A égua ficou ferida e estirada no asfalto. Num sofrido e imenso silêncio. O dono ficou bravo, pois o acidente o fez perder tempo, alem do prejuízo de ter toda a carga de papel velho espalhada no asfalto. E, depois de açoitá-la para se levantar, abandonou-a, ainda com vida na rua, no meio dos entulhos, até que uma pessoa caridosa um veterinário que a levou para uma clinica.
Na frente da clinica a égua permaneceu quieta. Um grande silêncio entrara-lhe na alma animal e parecia que tudo ali possuía um cheiro de morte. O veterinário viera tantas vezes examiná-la que perdera a conta. Os repórteres iam e vinham carregando suas maquinas de sempre. Já eram tantos os estranhos que chegavam que ela nem mais se importava. As horas passavam, todavia não era tédio que havia ali. Era um sofrido e imenso silêncio que anunciava a sua morte.
Não havia mais nada a ser feito, concluíra o veterinário. Teria que sacrificá-la. Examinou-a mais uma vez só para ter certeza absoluta de que fizera tudo quanto fora possível, os ossos das saltavam-lhe das pernas e uma hemorragia, humanamente, impossível de deter determinaria sua morte. Para seu consolo foi ouvir da boca do veterinário que seria sacrificada.
Lá pelas tantas, ruidosos estampidos encheram o ar da vizinhança. Um homem acabara de atravessar o portão da clinica carregando uma arma. Levantou o braço e puxou o gatilho. Não foi preciso mais que um tiro para a égua morrer. O domingo chegou e alguns moradores vieram ver o que sobrara dela. Nada, apenas as marcas da cena que horrorizou toda uma cidade e ficou estampada nos jornais..