EU VI UM MENINO CORRENDO...
Minha tia Luzia sempre dizia que "A melhor escola é a vida", porém minha sina aniquilaria tal pregação.
Estreei aos cinco anos de idade no Colégio Municipal Professor "Xucro", seminário formador de intelectuais da Vila. Os ícones da cercania foram diplomados pelo colegiado Xucrino.
O grupo era uma oficina de gênios!
No auge da meninice eu cochichava a todos nos corredores do instituto que me tornaria um abastado futebolista e teimava, com um dom visionário, que o meu rosto estamparia as capas dos tabloides mais afamados da aldeia. Capitanearia os maiores times do mundo e rabiscaria, com os pés, um futuro glorioso.
-Vocês vão ver!-vociferava.
Amparado nas previsões astrológicas tratei o quadro negro com desprezo.
Os docentes, videntes, temiam que eu delinquisse e insistiam para que me esforçasse pois "o futuro, tal qual o casamento, é cheio de surpresas".
-Bobagem!-bufava.
A diretora do educandário, angustiada com o meu desinteresse, recomendou aos pedagogos anistia na correção da minha cartilha. Afinal, vivia tão ocupado com a o futebol que não sobrava tempo nem pra respirar.
No decorrer das aulas o professorado me obrigava à ajoelhar no milho e me acariciava com a palmatória.
Os castigos surtiram efeito!
Comecei à me concentrar...na merenda.
Igualmente concentrado desvendei a geografia das vedetes do templo escolar. Até uma noviça de graça Xênia, modelo fotográfico da revista "Bisturi", tabelou comigo atrás do refeitório.
Na verbalização do amor eu parecia autodidata.
-Nota dez!-murmurou a menina.
Devido ao meu desapego com as apostilas reprovei três vezes na primeira série e acabei condecorado o primeiranista mais experiente do liceu.
A plebe aplaudiu.
Subitamente pintou um desânimo e sem nem ao menos ter completado o ensino fundamental me esquivei dos cadernos e cai no mundo dos analfabetizados.
A vida me deu um olé!
Os anos se somaram e, mesmo suplicando prostrado, a instituição não renovou a minha matrícula.
A Xênia idem!
Senti muita falta do coleguismo. Disfarçava minha frustração empinando capuchetas no entorno do convento, salivando com o apetitoso cheiro da sopinha amarela de caldo empelotado.
Certa vez, ao colar meu ouvido no alambrado do campus, ouvi meu antigo mestre gritar:
-Animal, Besta, Burro...
Era a hora da chamada.
Errei ao rascunhar o futuro baseado na ilusão de que o Criador soletraria o abecedário da vida.
"Só podemos prever o pretérito".
Foi azar misturado com falta de sorte! Não deveria ter trocado o certificado de conclusão pela braçadeira de uma agremiação.
Semana passada vi a Xênia dando entrevista na emissora de TV da Vila. A musa da minha infância seguiu carreira policial e se tornou delegada.
Fiquei orgulhoso em ter beliscado, no passado, os culotes da faceira.
Se meu assédio fosse cometido atualmente certamente não triunfaria.
As estripulias que promovi com a Xênia fiz questão de grifar à caneta.
Outra lembrança que me contenta é a de ter cumprido à risca uma promessa do colégio. Possuo arquivada uma infinidade de jornais de circulação nacional em que meu rosto está estampado, conforme eu prometera aos amiguinhos da escola.
A matéria é assinada pela Xênia e acima da foto está escrito em letras garrafais:
PROCURADO !!!
-Alguém tem um corretivo pra me emprestar???