NUM MUNDO "DOS BEIJOS" DESCARTÁVEIS...
Era apenas mais um toque entre os tantos que diariamente vibram o meu celular.
Do outro lado da linha uma voz impessoal me oferecia, segundo ela, uma grande vantagem comercial aonde eu poderia, depois de ganhar um aparelho novinho em folha quanto às mais modernas tecnologias em telefonia digital, também me valer da portabilidade para mudar de operadora.
Demorei um tempo razoável para convencer o telemarketing que eu não precisava de outro aparelho de telefonia, muito menos intencionava mudar de operadora, da qual já compro serviços há mais de dez anos.
Ali estava o que ultimamente me incomoda demais: os descartáveis da modernidade, desde as tecnologias e modas de toda sorte, até a ética "senso lato" que ultimamente já perdeu sua real semântica e seu lugar entre nós.
Paralelamente ao telefonema eu abria um mail cujo assunto me trouxe aqui. Penso que na vida em tempo algum existe coincidências e sim evidências aos olhos mais atentos.
A minha presente ideia não é plágio daquele mail, longe disso, hoje digo que já não há em mim espaço para escrever plagiando a ideia de alguém, apenas sinto que nós, em sociedade, muitas vezes somos a expressão das várias vozes dum igual sentimento.
E ali um escritor Uruguaio, Eduardo Galeano , não da minha geração, sou da dos anos sessenta, fazia um lamento paralelo entre o tudo que valorizávamos e guardávamos com o tudo que hoje desvalorizamos e tão rapidamente descartamos. No seu texto "Caí no mundo e não sei como voltar" ele defende a ideia de que dar ou não dar valor, é algo cultural, e de tal fato não restam dúvidas.
Aqui traço apenas um paralelo com o que também sinto.
É fácil observar o fenômeno do descartável entre as gerações mais novas, inclusive nas dos nossos filhos.
Hoje estamos num mundo agitado, cheio de novidades tecnológicas aonde o novo já nasce velho. Um impressionante e instantâneo "museu de grandes novidades" que sequer o Cazuza poderia ter imaginado e cantado através da sua poesia.
As crianças são presenteadas com avalanches de "coisas" novas que pouco agregam à sua essência em desenvolvimento, e tendem a apenas exercitarem a expectativa do "ter" sem sequer lhes haver tempo para "curtirem " o que tão facilmente conquistam pelas mãos alheias, a dos pais.
Os pais de hoje parecem saciar a sede do seu próprio consumo nos seus cada vez mais vorazes pequenos consumidores. Que estrago!
Bem, vivemos numa sociedade capitalista, está certo, e que sem o consumo não sobrevive, afinal, precisamos gerar empregos, porém, infelizmente num mundo que inconscientemente "consome" o Planeta para lhe devolver todo o lixo advindo de suas matérias primas industrializadas e descartadas a toque de caixa.
Eis um perigoso impasse ao qual estamos todos condenados, todos!
De toda sorte, acredito que se pelo mundo ocorresse a inclusão social dos que não consomem sequer a dignidade, não haveria crise de empregos no Planeta.
Devo dizer que meu carro tem oito anos e me satisfaz. Ainda não penso em trocá-lo. Tenho dó dele , de mim, das ruas e do Planeta, em especial. Ainda outro dia descobri nele uma função da qual nunca precisei!
Meu celular é o mais chinfrim que existe, e torço para que ele pare de tocar. Ele me estressa. Ou lhe peço que me toque por causas mais justas e principalmente mais éticas.
Assim é com minha geladeira, com meus móveis, com muitos dos meus eletrodomésticos, roupas e calçados, muitos deles impecavelmente...velhos.
Ah, sim, ia me esquecendo, recentemente troquei meu fogão, embora seja uma área que ainda não domino muito, todavia,penso que daria muito bem para ficar com o antigo.
Meus amigos do peito nunca morreram.
Guardo algumas coisas que me representam muito, assim como a primeira boneca que tive, dentre as tão poucas mas significativas, a Beijoca. Lembram?
Que incrivelmente depois de quarenta anos...ainda beija um beijo oco e apagado, mas que me toca muito, porque é algo essencial.
Toda vez que aciono seus já tão endurecidos braços mecânicos para ouvir aquele beijo que ainda me ecoa no tempo, sinto o valor das coisas e dos cenários de antigamente. Acho que envelheci, deve ser isso.
Mas sinto exatamente como no conteúdo do texto daquele escritor Uruguaio, porque todos somos apenas gente, gente que sente igual a toda gente. Em qualquer parte do mundo.
É assim que termino este meu escrito pensando..." Quantos beijos outrora vibrantes que tão distraidamente também descartamos pela vida..."