OLHA A ROUPA
Ao final dos anos 80, já plenamente adaptado a São Paulo; eu chegara aqui em 1979, tinha por costume sempre no período de Carnaval, reunir meus amigos e levá-los para o Rio de Janeiro.
Lá chegando, assumia o papel de anfitrião e os guiava por lugares que eles sempre sonharam conhecer: Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Marques de Sapucaí, Ilha de Paquetá...
O passeio daquele dia começou no histórico largo de Santo Antônio Ali, embarcamos num conservado bondinho. Estávamos em 12 pessoas na ocasião.
O bondinho começou a andar e logo alcançou os famosos Arcos da Lapa.
No início da sua estreita passagem, um OH! De admiração correu entre os turistas que estavam naquele antigo meio de acesso ao pitoresco bairro de Santa Teresa.
Um cenário deslumbrante descortinava-se a cada metro percorrido pelo folclórico bondinho.
Estávamos a cerca de 15 metros de altura, passando por uma estrutura secular que era o portal de um bairro; o da Lapa, que lá em baixo mantinha suas características coloniais, Boêmica, moderna e Marginal.
Convivendo harmonicamente com o passado, imponentes prédios, largas avenidas, proporcionava um urbano contraste, clicado intensamente pelos turistas.
O bondinho passou pelos Arcos e começou a subir o morro.
No controle daquele veículo sobre trilhos, o motorneiro em alto e bom som, comunicava aos seus passageiros.
- Olha a roupa.
E de tempo em tempo, repetia...
- Olha a roupa.
Armando; que estava no meu grupo, tomou para si a curiosidade dos demais e perguntou-me:
- Por que ele fala assim?
Procurei não deixar dúvidas na explicação.
- Ele está alertando aos passageiros para que fiquem espertos, pois existe a possibilidade do desequilíbrio e também, vindo das esquinas e vielas, um pivete aparecer dando bote com a intenção de pegar: Carteira, Bolsa, Relógio, Máquina fotográfica...
No bote, ao ser empurrado ou puxado pelas alças dos equipamentos ou acessórios; principalmente aqueles que estão de pé no estribo ou sentados nas laterais, podem cair no chão, sujando suas coloridas roupas.
Armando não interrompeu o riso ao ouvir o trecho final da minha explicação.
Emília; que morava em Itaquera traduziu paulistanamente o riso irônico do armando;
- Só sendo carioca mesmo!
(...)
A questão nos dias de hoje, não é a roupa suja do turista desatento de sempre.
É a mancha que impregna toda a sociedade no momento no qual um ser humano que cai do bondinho quando esse passa pelos arcos, tem o seu corpo no chão já sem vida, vilipendiado.
“Se a morte de uma pessoa não consegue impor respeito aos que próximos a ela estão, é porque a moral da sociedade que abriga essas pessoas morreu, e bem antes!”
Morreu e ainda não nos apercebemos disso.
(...)
Dedico esta crônica ao turista Francês Charles Damien Pierson de 24anos, vitima do cada vez mais frequente desrespeito humano, praticado pelos próprios humanos contra si e os outros.