DDD - Diário de Derrotas
12h50
Segundo a carta que tenho em mãos, estou com uma “perfuração na raiz palatina”. E a anestesia está acabando. O dia “útil” começou com essa notícia maravilhosamente boa, depois que fui arrancado de uma cama quente e jogado numa cadeira de dentista para ser submetido a algumas corriqueiras – pro dentista, deixo bem claro - torturas; agora o que precisa ser arrancado é essa desgraça de dente. A culpa é do dentista da emergência que, segundo esta última sádica – gente finíssima, por sinal -, iniciou um tratamento de canal ENTRE os dois canais. Por isso que nas últimas semanas eu andei sentindo uma dor atroz e um gosto terrível de podridão. A doutorinha, que ficou sinceramente comovida com a minha penúria, me indicou uma amiga dela pra fazer a extração da criatura cancerosa/cancerígena que habita minha boca. Essa amiguinha dela só tem vaga daqui 10 dias. A vontade que eu tenho, no momento, é de morder o cano de um 38 e extrair todos os dentes de uma vez com um belo coice depois do disparo. Mas não posso pagar por um 38... Não com a minha conta bancária estando negativa duas vezes o meu salário. E já já saio pra comer e tenho que sacar grana pra dois dias e meio (?) de almoço e condução; deliciosos três micos (isso porque não estou contando/incluindo o café-da-manhã e a janta desses dias – e nem o micatezinho de sobremesa).
14h35
Ainda não fui comer, e hoje, sim, parece ser o primeiro dia de inverno. Nesta bela avenida - que ontem recepcionou 4 milhões (!!!) de pederastas e simpatizantes e ladrões e interesseiros e baderneiros – o frio parece ser mais acentuado. Aqui dentro está quentinho, mas passei a última hora lá fora, levando um inclemente vento de 11°c no rosto. E, pelo que me consta, a boca fica no rosto. E na boca, os dentes. Vento gelado no dente agora oficialmente sem anestesia. A Lei de Murphy, onde fica?
17H08
Voltei do almoço já tem uns vinte minutos; quinze eu enrolei dentro do banheiro escovando os dentes e espremendo cravos do nariz e tentando cronometrar o intervalo entre um metrô e outro. Não consegui cronometrar porque a bateria do celular acabou. Devo dizer que entre o parágrafo das duas e trinta e cinco e este aqui muita água rolou. Água suja. Galerinha tem mais ou menos trinta dias pra fazer uma determinada tarefinha e sempre resolvem pra deixar pra última horinha, e adivinha quem tomou no cuzinho, nessa brincadeirinha? Tive que ir adiando o horário do meu almoço além da conta por causa de falta de comunicação, e, bem, fui à merda do banco pagar as guias - um dia atípico, tendo um volume bastante considerável delas (o que obviamente acarreta mais demora) - e desejei um AVC umas trinta e cinco vezes, porque eu normalmente arrimo os cotovelos no balcão e fico com o punho no rosto, bem na direção do dente. Não pude fazer isso... E o gordinho do caixa arrumou alguém pra ficar falando de futebol com ele. Em suma: quis morrer até a hora que reparei que havia alguma coisa errada na impressão de um comprovante. Aí eu falei pro caixa:
- Estorna essa daqui, porque veio como segunda via e o Fórum não aceita.
Tão logo falei isso, veio uma outra via também como segunda via. Então ele começou a falar uns termos meio técnicos entre o bancário e o jurídico e eu fiquei olhando bem pra cara dele, ponderando se respondia que não era advogado e/ou bancário e que ele poderia enfiar no rabo o vocabulário requintado dele, mas fiquei quieto. No final das contas, tudo deu certo e eu estava com a razão. Como sempre. Voltei pro escritório já varado de fome mas ainda tinha um outro banquinho pra fazer. Fiz o filho da puta, voltei, e antes que me fizessem qualquer comentário, vazei voado porta afora. Bem, se no primeiro parágrafo eu qualifico como "atroz" a dor que eu sentia, não existe palavra que defina a dor atual. O vento bate e o dente parece pulular. Não posso cerrá-los, senão vejo estrelas. De qualquer forma, assim que saí do prédio, indo em direção a um muquifo de comida chinesa - a intenção era comer coisas "molinhas" pra não precisar mastigar muito - quando encontro uma querida. Abraçamo-nos e eu amaldiçoei a minha sorte de sempre encontrar conhecidas quando estou me sentindo demasiadamente andrajoso. Conversamos durante um período de tempo que compreendeu um farol verde pros carros e ela tomou o rumo dela e eu tomei o meu. Mas dei uma quebradinha de pescoço pra ver como a coisa estava. O lugar da China estava fechado. Perdi uns bons quinze minutos só na travessia das dezenas de semáforos do maldito cruzamento. Demorei mais de meia hora pra conseguir comer todo o conteúdo do prato e por duas vezes me distraí e mastiguei com o dente mardito. Vi estrelas azuis, lilases, roxas, verdes, vermelhas. Comprei remédio pra dor e fiquei mais pobre do que havia suposto.
22h10
Preguiça de buscar na memória o que aconteceu depois do horário do parágrafo anterior. Só sei que esse dentista açougueiro filho de uma puta vai ter que me reembolsar, de certa forma, pela extração do dente e por todo o sangue que eu já cuspi.
27/06/2011