Ao telefone

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- Alô? Por favor, gostaria de falar com o senhor... Ah, olá. O senhor reconheceu minha voz... Claro, bem, obrigado, e o senhor? Certo... você. Estou ligando por dois motivos, primeiro, para avisar que desisti do curso de Eççel. Ok, Eqçel... Não, suas aulas são muito boas, o problema está... ora, falando francamente, acho que não me dou muito bem com planilhas...Sim, são úteis, mas como não consigo entendê-las, não tem muita utilidade para mim....Não, não estou ligando para pedir o dinheiro de volta, estou ligando para agradecer. Pelo que? É que, no meio do curso, tive uma idéia genial. Eu ficava olhando aquelas colunas todas e acabava dormindo, o senhor se lembra. Pois, na metade do curso, em setembro do ano passado, durante uma dessas dormidas, tive uma idéia genial e hoje estou fazendo palestras. Exato, por isso eu tenho faltado aos sábados. Ah, o senhor quer saber...Palestras para escritores carentes. Ora, como assim? Eu cobro por palavra. Escritores adoram palavras então, por mais carentes que sejam, acabam pagando. Aquela senhora do oitavo andar, lembra? Paupérrima, pois é, ela esteve na última palestra. Ora, cobro 1 real por palavra. Quantas palavras? 1.500...lógico que ficam todos satisfeitos. Qual palavra usei na abertura? Vítima. Escritores carentes são vidrados nessa palavra. Começa assim: eu (1 real), uma vítima (mais dois reais)...Eles babaram. A senhora do oitavo andar trouxe a família inteira. Sim, nesse caso talvez eu devesse cobrar por orelhas... Foi como eu lhe disse, estou me desligando do curso de Eqssel, que aliás fui reprovado...Ah, eu já disse? Bem, esse é o truque de cobrar por palavra. A nossa mente acaba colando e copiando, fica repetitivo, mas escritores carentes são crédulos e dá pra depená-los... Não, na verdade, o título da palestra é Simpósio da Simplicidade. Simpósio foi a palavra que usei na propaganda, mas, veja bem, para o escritor carente simpósio e palestra é a mesma coisa, eles...hã.... , ou bem são preguiçosos e não olham no dicionário ou são deveras depauperados e não tem dicionário. Pois é, apesar disso uma platéia notável.... Como? Eu não disse? Muito simples, como o estádio do Pacaembu está em manutenção, e assim impossibilitado de receber jogadores e torcidas, consegui alugá-lo para o simpósio... Acho que dá uns 15 minutos de palestra... Muito pouco? Você acha, por quê? Está interessado em participar? Pra você eu faço 0,50 por palavra. Ora, com 1.500 palavras posso dizer um monte de coisas. Também posso dizer nada. E, veja, hein, logo no início coloco uns slides de Canões... Quem? Canões...o poeta português...Como, Camões, com M? Ok, Camões então, e umas flautas de fundo, escritores carentes adoram, eu dou um diplominha para eles na saída, escrito, hã, deixe ver, III Encontro Anual do Simpósio da Simplicidade, em letras douradas...não, não, tem ocorrido a cada dois meses, mas anual fica mais chic no diploma. Eles nem se importam, pagam sem reclamar, são escritores, sabem que no fim de um milhar não existe nada, só zeros... Evidente que eu falo uma única vez...passo os slides, falo e depois recolho a grana...Escrúpulo? Uau, essa palavra é ótima! Como se escreve isso? Alô?




(Imagem: autoria desconhecida)

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 27/06/2011
Reeditado em 21/10/2021
Código do texto: T3060171
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