Considerações brejeiras

Eu cresci em uma região cercada de valões, por onde escorriam o esgoto da cidade, e brejos, que não deviam em nada á esses valões.

Por isso firmou-se na minha cabeça um certo fascínio e medo das águas escuras.

Por um lado as conhecia muito bem, principalmente sua fauna: as preás, capivaras, jacarés, lagartos, cobras, mosquitos, mutucas, garças, mussuns e até cabras de vez em quando. Por outro lado, elas inspiravam um ar de mistério. O valão ao céu aberto era negro como o breu da noite. Ficava pensando o que levaria a água ficar tão escura. O brejo possuía uma vegetação que encobria muito bem suas águas, como as taboas, a cana e a cananarana (uma planta de folha muito fina e pontiaguda, lembra um capim gigante). E qualquer agitação na vegetação poderia indicar desde um pequeno peixe pulando até as ondulações de uma sucuri na água.

É curioso como convivemos com essas coisas. Meu professor de ciências dizia que de brejos nasceram a vida (ele era evolucionista). Desde então passei a olhar o valão e o brejo com mais interesse. Será que eu presenciaria o nascimento da vida? Sentava no alto de uma árvore (quando havia alguma) e espiava. Afinal, ser o berço da vida não é pouca coisa! Eu tinha que ter certeza disso.

Em uma época mais conturbada ouvi falar que os bandidos da região jogavam os corpos de suas vítimas nos valões ou nos brejos. Meu olhar mudou mais uma vez. Meu maior medo agora era achar algum corpo ou pelo menos o pedaço de um. Além disso, aqueles filmes sobre jacarés jogados no esgoto que ficam gigantes se alimentado de corpos de pessoas nutria minha imaginação e muito!

Hoje na cidade em que morei ainda existem valões, piores que os do meu tempo. E ainda existem brejos, embora sejam muito menores e com menos vida que antes. E meu olhar mudou. Dessa vez, eles representam para mim um tempo que passou (minha infância) e uma situação que não passou (as condições precárias de vida da população que vive ali). Os brejos, coitados, não tem culpa: sempre estiveram ali, nós que invadimos. Os valões são fruto de nossa ocupação desordenada. Apenas poluem mais o que restou da natureza. Como maldição nos empesteam de fedor e doenças, e com as chuvas, com enchentes. Os animais e as plantas que viviam nos brejos estão sumindo e as pessoas que moram ali perto ou perto de valões moram muito mau. É uma situação que é ruim para os dois lados. E as soluções dadas não são realmente soluções.

Se antes eu via estes espaços onde passei boa parte da minha infância com fascínio e medo, hoje vejo principalmente com preocupação. Pouco importa o que existe debaixo daquelas águas, o que importa é que a coisa não está boa nem fora nem dentro delas.