Um pra deitar, outro pra levantar
Naquela de tomar um para dormir e outro para levantar... Não, o de levantar não é Viagra, não, que eu só tenho trinta anos e vou bem nesse aspecto, graças a Deus, são remédios para dormir e acordar. Aí o Zé pergunta: Ôxe, mas se tá bem por que precisa de boleta pra acordar e pra dormir?
Acho que tá tudo meio bagunçado mesmo, e enquanto o faxineiro não arruma a contento a casa, vou terceirizando umas faxininhas diárias, que mantenham a casa habitável.
[O doutor havia receitado novo remédio – o mesmo usado naquelas duas outras vezes, em que teve intoxicação médica da pesada (isso mesmo, médica, não medicamentosa, porque foi a mando dos médicos que se intoxicara, com tantos comprimidos. {Tetania e Impregnação neuroléptica, se você for estudante de medicina ou aficionado por ziquiziras humanas}). Perguntou ao doutor se realmente poderia tomar isso. Disse o homem de avental: sim, se fosse para você ter efeito colateral, seria em função daquele outro remédio, se não deu nada com aquele tome esse, porém em dose mínima, e vamos ver. O homenzinho boçal, das necessidades psicofarmacoexistenciológicas, parecia agora não mais aliviado, mas menos incomodado.]
Havia ouvido isso de um amigo (“Tomo um para dormir e outro para acordar”), eis desta forma uma razão simples para a escolha do título. Que não vai resolver em nada esta bagunça de sono fora de prumo. Mas, eu pergunto: como conseguir um prumo, desses padrões do Inmetro, usados por gente que dorme cedo e levanta cedo, se sou notívago? Como deixar de ser notívago, se cultivo (muitas vezes não por opção) esse status quo desde os idos de meus onze anos, quando morava com meu insone pai, que ficava a contar histórias e cantarolar “A volta do boêmio” na janela, descascando laranja-lima?
[Desconfia que um cobertor de orelhas seria bom motivo para reeducar seu sono, entregar-se com maior ênfase ao mundo onírico, ou ao menos voltar para a cama mais rápido, por um pedido, um chamadinho especial – ou um resmungo que fosse, mas cúmplice de cama.]
Estou com medo desse novo remédio, só de efeitos colaterais é quase uma página inteira (e repete no verso!). Dentre eles, um que achei no mínimo bizarro e que combina (sarcasticamente) com problemas como "Tetania": crescimento dos mamilos. Ah sim, e outro, melhor ainda: redução da libido.
[Seria essa a solução? Seria essa a busca de seu eu interior? Mamilos em si mesmo???]
Não, não, decididamente não pode ser isso, caso contrário daqui a pouco será a vontade de troca de sexo. E, cá entre nós: por pior que seja meu pinto (coitado, meu fiel companheiro não merece isso), é a cabeça de cima e não a de baixo que precisa de serviço completo. O que não se exercita, atrofia, e acho que a cabeça de cima está na mira de mais esse ditado.
Outras viagens, outras paisagens, novas paixões, aprender a tocar um instrumento (não mais apenas a já batida caixinha de fósforos), voltar a ler ficções para se desintoxicar um pouco dessas leituras acadêmicas, redescobrir o prazer de andar de bicicleta num domingo pela manhã... aprender piadas novas (isso é fundamental, fundamental). Eis o parágrafo de desfecho deste impasse: se não dá conta do problema, há de servir como lembrete ao protagonista.
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(*) Confira também a narração desta crônica aqui, no Recanto das Letras.