No portal do tempo



      
Os primeiros raios do sol inundam a manhãzinha silenciosa.

       Sento-me na soleira do portal do tempo, este gigante senhor que me vem ao encontro precipitadamente. Sem me importar com seus constantes apelos, suas súplicas: – Mexa-se!... esse instante não volta!... viva a vida intensamente!... coragem, coragem... erga-se... vamos lá... – me derreto ao sol matinal brilhante, enamoro-me com a brisa suave que passa faceira por mim e me acaricia a pele. Então, sorrio preguiçosa pro infinito, lá longe, que me acolhe em seus longos braços e me sorri também. Meu olhar é instigado a vislumbrar além da linha do tempo. Assisto o filme de minha infância colorida de sorrisos e quimeras. Faceira, rolando ladeira abaixo numa casca de palmeira, eu caía e nem me importava. E ria e dava gargalhadas, toda serelepe. 
       Um zum-zum no jardim me ajusta o olhar. Um beija-flor me tira da infância e me brinda com sua dança ligeira. Veio sugar o néctar das flores de cera abertas em lindos cachos, que se elevam acima da cerca. Dengoso se exibe pra mim... pras plantinhas, pro mundo. Sôfrego me dirige um olharzinho miúdo e frágil, asinhas batendo ininterruptamente. Detém-se instigante suspenso no ar, esplendoroso, com suas penas coloridas e brilhantes. O centro das florzinhas bica e suga o sumo, e com graça vai bailando seu próprio balé. Depois... se vai velozmente.
       Continuo no portal do tempo olhando a mim mesma. Sempre irrequieta, cheia de indagações. Idealizando um porvir que quando chega já mudou de feições. Porque será que tomamos rumos tão adversos, tão distantes uns dos outros? Porque será que fazemos um plano e ele sai inversamente o oposto, o avesso do avesso?
Penso que é melhor mudar alguma coisa. Mudar o ângulo do ponto de vista. Deslocar-me pra outras montanhas ou talvez pra uma vilazinha emoldurada de orvalho da manhã e de orquídeas lisonjeiras... quem sabe o paraíso é logo ali, não sei bem. Não sei pra onde a seta aponta. A seta das certezas, do desapego seguro, dos assertivos rumos pra que lado será? Nem sei se essa inquietação não será apenas um arrepio passageiro... Penso que não quero mais este cotidiano insano que me esmaga, e com seu olhar arredio me aprisiona insensato.
       Vou pensar. Verei o que faço. Talvez sejam apenas conjecturas, nada mais que apelos da manhã de um inverno muito frio que acabou de chegar.
       Um sino toca docemente no templo budista... é um novo dia.



  ___________________________Izabella Pavesi_____
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                                                                                                   foto: képguru.hu