O “crime” não compensa

Tio Zé sempre foi uma “figura”, mas depois que alcançou a terceira idade, a coisa piorou um pouco! Começou a fazer peraltices, como: comer oito espetinhos de carne e pagar seis, chupar uvas dentro do supermercado, pagar a dúzia da laranja e levar catorze delas para casa... não que precisasse economizar uns míseros trocados, fazia isso só para encher o saco da tia Maria com suas estripulias. No auge dos seus 72 anos, de pura vitalidade e bom humor, era vítima principal dos golpes praticados por pessoas altamente inescrupulosas. Em dois anos, perdeu o suficiente para “pagar”, com juros e correção monetária, todas as laranjas e espetinhos roubados no decorrer da vida. Primeiro uma diarista aplicou o “golpe da deficiência visual”. Segundo ela, sua filha necessitava de uma lente especial para não ficar cega aos dezesseis anos. O valor era de mais ou menos um salário mínimo. Meu tio assinou o cheque e entregou para ordinária, que agradeceu em meio a lágrimas.

Soubemos, depois de uma semana, que nem filha a sem-vergonha tinha. Minha tia ficou sem a faxineira e meu tio sem o dinheiro!

Algum tempo depois ele caiu no “golpe do mel”. O suposto “vendedor” bateu palmas em casa com uma garrafada de mel medicinal, segundo ele, encomendado pela vizinha ao lado. Disse que a tal vizinha (falou até o nome!) havia encomendado o produto, mas não estava em casa para recebê-lo. Ingênuo, meu tio prontificou-se a pagar a encomenda e depois “receber” dela o valor mencionado. Na época, o que ele pagou numa garrafa, dava para adquirir duas dúzias do mesmo produto. O problema é que a vizinha não havia encomendado porcaria nenhuma e tio Zé, novamente, ficou no prejuízo.

Pouco tempo atrás, ele selecionou um anúncio no Jornal, cuja responsável realizava excursões para Aparecida do Norte. Reservou três lugares e pagou à vista o passeio para o final de semana. Até hoje a santa está esperando a nossa visita. A golpista inventou uma história, sem pé nem cabeça, e desativou o telefone. Se nem Nossa Senhora escapa, quem dirá nós, pobres mortais! Esse povo não tem medo nem de castigo de Santo mais. Eu, hein? Tentei convencer o tio fazer um boletim de ocorrência, já que o valor era alto, mas ele se negou, dizendo que temia uma retaliação, pois morava sozinho com sua esposa, e já eram “pessoas de idade”. Nem forcei a barra, pois infelizmente, ele tinha razão. Hoje em dia, somos assaltados até pelo jornal e ainda temos medo de pedir “socorro”. O mundo está perdido!!!!

Semana passada, após tomar uma meia dúzia de latinhas de cerveja, meu tio resolveu “roubar” algumas telhas de um terreno baldio, ao lado da sua casa. A propriedade era cercada por placas de cimento e fios reforçados de arame farpado.

Se o velho são, já não escuta ninguém, “de fogo” então, nem adianta tentar! E lá foi o “meliante” idoso, cometer mais um dos seus delitos infantis. Passou debaixo dos arames farpados e separou seis telhas (abandonadas, emboloradas e lascadas) para repor as que quebraram, na troca da caixa d´água. Empilhou-as nos braços e voltou, percorrendo o mesmo caminho. Mas, como seus reflexos estavam meio lentos, teve o azar de enroscar um dos pés no arame farpado. O coitado foi equilibrando o “material furtado” até o meio da rua, onde cambaleante, espatifou a cara no meio das telhas. O estrago foi absurdo: cortou a boca e o queixo em três lugares, ralou o nariz, quebrou o dedinho e teve luxação no antebraço. O pior foi constatar que ele ainda teve a presença de espírito de trazer para casa a única telha que sobrou do acidente. Impressionante !!!!

Bom, levamos o “estrupiado” para o Pronto Atendimento, mas como depois de aposentado, a firma “cortou” seu plano de saúde, foi preciso deixar cinco cheques para garantir o pagamento, caso não fossem autorizadas as “guias de atendimento”. Foi aí que o “bicho pegou”! Xingou o médico pela exorbitante quantia recebida para colocar um mísero dedinho no lugar, ralhou com a secretária que não cedeu a seu pedido de preencher apenas um cheque no valor total das despesas, e no final da brincadeira, gastou o equivalente a dois milheiros de telhas para pagar o prejuízo.

Agora, fala: O crime compensa? Claro que não...

O pior foi aguentar as gozações da família. O neto chegava da faculdade, tirando o sarro:

- Vô, contei para todos meus amigos que você, com 72 anos conseguiu quebrar cinco telhas numa só cabeçada. Todo mundo “pagou pau” para mim!

Logo em seguida, era minha vez de perturbar o pobre:

- Tio, anotei dois recados para você. O primeiro foi de um vendedor chamado Takacara Natelha para deixar um orçamento de dois milheiros de telhas. O segundo era do hospital dizendo que faltou você deixar um cheque destinado ao anestesista.

O coitado tinha que dar aquele sorrisinho murcho, com cara de quem fez um tremenda “caca”.

À tardezinha meu primo veio visitá-lo. Todo danado daquele jeito, ele ainda tinha humor para suas costumeiras piadinhas:

- Ô filho, você como um representante da Lei, não poderia interferir naquele hospital e pedir para todo mundo me atender, sem eu ter que deixar meu talão de cheque confiscado?

- Lógico que não, pai! E mesmo se pudesse não o faria. Como vou pedir para atenderem, com regalias, um senhor de 72 anos, que se acidentou roubando telhas num terreno particular? O senhor ainda teve sorte de não ser detido. – e mordeu os lábios para não demonstrar a sacanagem que estava fazendo com o “velho”.

Lógico que dava dó de vê-lo em frangalhos, mas já era tempo dele entender que não tinha mais idade de fazer molecagens.

Só sei que à noite, estávamos todos assistindo a um filme de comédia, quando sugeri ao pequeno Vitor, para emprestá-lo ao seu outro avô.

- Por que meu avô Luiz? – perguntou interessado.

- Por que aquele seu avô adora uma coisa mal feita!! – respondi.

- Ahhh, verdade??? É ele que sai por aí roubando telhas, né? – comentou irônico, olhando para o vovô Zé.

Nós caímos na gargalhada. Até tu Brutus????

Olha só o exemplo..................