O Bolo
Trabalhava numa empresa de computadores, meu cargo era Inspetor de qualidade e viajava muito, sempre de taxi e decidi morar numa pensão, porém tinha que ser num quarto sozinho e num bom lugar. Após escolher criteriosamente várias regiões, optei por Vila Mariana em São Paulo.
Recorte do jornal na mão apresentei-me num casarão do século passado, fui recebido por uma senhora educadíssima que pediu para eu entrar e começou a fazer perguntas sobre minha vida e sobre minha atividade, pediu-me várias referências e um atestado de antecedentes criminais. No outro dia apresentei tudo e a senhora apresentou-me meu “novo” quarto. Fiquei estupefato com o requinte do mesmo, tinha carpete, TV a cabo, frigobar, telefone, uma enorme janela, arejado e um cheiro maravilhoso de jasmim. Assinei o contrato o mais rápido possível e passei a desfrutar daquela maravilha, pertinho do Metrô Ana Rosa e do Parque Ibirapuera.
Chegava somente à noite, pedia um lanche, assistia o Jornal, lia as páginas de algum livro e adormecia. Acordava de madrugada e ficava escutando o barulho da cidade e imaginando que não muito tempo atrás morava muito distante.
Com o passar dos dias acabei conhecendo os meus vizinhos de quarto, todos eram pessoas sem família e alguns estavam apenas de passagem por São Paulo. O grande destaque das amizades feitas foi o Sr.Antonio, o senhor de 82 anos, de origem portuguesa e bastante falante, estudado e muito viajado. Eu como adorava viajar, adorava escutar suas incríveis histórias sobre o mar. Adorava conversar com Sr.Antonio não apenas pela sua sapiência, mas também pela sua eloqüência, de uma cultura avassaladora. Nossa conversa às vezes tornava-se um monólogo, pois eu apenas com trinta anos não tinha muita “coisa” para contar, apenas ficava ouvindo aquelas histórias maravilhosas e pensando: Puxa vida como esse senhor é vivido, se eu tivesse apenas dez por cento da sua experiência e pudesse contar isto num livro, seria maravilhoso! Mas.....
Os dias foram passando e conheci alguns “colegas” de algumas empresas que eu visitava que adorava fazer o “happy-hour” todo final do dia e convidava-me. Adorava beber chope e apresentaram-me uma bebida chamada “Maria-Mole”, era uma mistura de Martine com Conhaque, fortíssima e tirava a gente do sério.
Terminava o expediente e lá estávamos nós fazendo o “happy”, copos e mais copos eram entornados e quando percebi estava quase virando um alcoólatra, isto se já não era, pois não admitia em hipótese alguma.
O Sr. Antonio numa determinada noite reclamou que estava muito doente e que não viveria muito e pediu que eu diminuísse com o álcool, pois seria ótimo para mim e ele ficaria muito feliz. Saí no outro dia preocupadíssimo com a saúde do Sr.Antonio e fui fazer um serviço na Zona Sul de São Paulo numa grande indústria. Na volta encontrei com os colegas de “copo” e fomos bebericar alguns chope no Juca Alemão e bebi algumas “Maria-mole”. Após estar devidamente alcoolizado, pedi para o garçom chamar-me um taxi e dirigi-me até a pensão onde eu morava. Tudo girava e na minha mente aparecia o Sr.Antônio morto, sendo velado na sala da pensão. O taxi chegou, paguei-o com muito esforço e muita compreensão do motorista e entrei com passos trôpegos, abri a porta depois de uns cinco minutos e encontrei a seguinte cena: Uma enorme mesa com um caixão coberto com uma pano em formato de renda branca, algumas velas acesas e absolutamente ninguém acompanhando o Sr. Antônio morto. Procurei por alguém que pudesse dar alguma informação e ninguém estava por perto, o silêncio era assustador. Sentei-me numa cadeira e comecei as minhas orações para alma do Sr. Antônio. Após alguns minutos entre soluços e pragas contra todos os nossos vizinhos pela falta de sensibilidade, acendeu uma luz no andar de cima e escutei a voz da dona da pensão perguntando o que estava acontecendo, o porquê eu estava chorando convulsivamente e eu disse que todos eram insensíveis, ninguém gostava do Sr, Antonio, apenas eu, etc., etc. A senhora sorriu zombeteiramente e disse com uma voz de piedade: Querido Luiz, o que você está presenciando é apenas um bolo de casamento que está sobre a mesa, pois faço bolos por encomendas, as velas é que todos os dias acendo-as pela minha religião e ninguém morreu por aqui. Não me contive, dei um enorme grito de alegria e subi cambaleando até o quarto do Sr. Antônio para dar um enorme abraço nele e agradecer por ele estar vivo. Passei alguns minutos “velando” apenas um bolo de casamento! Sentimento de pura amizade misturado com álcool fizeram-me viajar e dar uma parada com a bebida e passar por vários dias escondido da dona da pensão. Que vergonha!!! Mas tudo passou e até quando saí da pensão lá estava Sr. Antônio com muita saúde despedindo-se de mim, com um sorriso maroto e recomendando que não chorasse mais por bolos, apenas comesse-os.