OS SONHOS DA CIÊNCIA NA CIÊNCIA DOS SONHOS
Num dos meus livros de Química há uma fotografia desbotada do químico russo Dimitri Mendeleiev, trabalhando em São Petesburgo, feita em algum momento no final do século XIX. Na fotografia, o cientista está concentrado num pedaço de papel, escrevendo com uma pena que as pontas de seus dedos longos seguram com firmeza.
Seria essa, supostamente, a foto tirada momentos antes de ter-se debruçado na mesa e, vencido pela exaustão, teria adormecido profundamente e teve um sonho. Nas palavras do próprio Mendeleiev: “Vi num sonho uma tabela em que todos os elementos se encaixavam como requerido. Ao despertar, escrevi-a imediatamente numa folha de papel”.
Em seu sonho, o pesquisador compreendera que, quando os elementos químicos eram listados na ordem crescente de seus “pesos atômicos”, suas propriedades se repetiam numa série de intervalos periódicos. Por essa razão, chamou sua descoberta de Tabela Periódica dos Elementos.
Por ter reunido, num todo coeso, uma série de informações que, até então, não formavam um corpo organizado, esse trabalho é considerado um dos mais importantes da história da Química.
De fato o que Mendeleiev descobriu há 140 anos foi a culminação de uma epopeia de dois mil e quinhentos anos: uma parábola obstinada da aspiração humana – a Tabela Periódica de Mendeleiev continua sendo a base da química moderna.
Longe de ser um caso isolado, o sonho de Mendeleiev é característico de um tipo de processo psíquico extremamente frequente na história da Ciência.
O escritor húngaro Artur Koestler (1905-1983) investigou com rara sutileza o processo da criação científica. A ele atribui-se a famosa frase: “Em Ciência, a criatividade é a arte de somar dois mais dois e obter cinco”. Ele dizia, procurando justificar sua provocadora aritmética, que esse aparente passe de mágica deriva do fato de que o todo não é meramente a soma das partes, mas uma expressão da relação entre elas. Além da poderosa ferramenta constituída pelo raciocínio, outra função psíquica fornece aos cientistas a chave que permite abrir a porta para esse "algo mais" – a intuição.
Emblemático exemplo do uso da intuição foi a célebre descoberta da estrutura molecular do benzeno pelo químico alemão Friedrich August Kekulé (l829-1896). Pai-fundador da Química Orgânica, Kekulé sabia que a molécula do benzeno era formada por seis átomos de carbono e seis átomos de hidrogênio (C6H6), mas não entendia como esses átomos estavam dispostos num arranjo estável. O químico dedicou longas reflexões à análise desse problema, mas sem sucesso aparente. Até que, em um sonho, viu uma cobra engolindo o próprio rabo. Ao acordar, tinha consigo a resposta para a pergunta que há tanto tempo o desafiava: bastava fechar a cadeia de carbonos, compondo uma estrutura em forma de anel. Portanto a figura da serpente deu-lhe a chave para a solução do enigma.
Há um livro, escrito por Einstein, intitulado “Como vejo o mundo”, que não trata de Matemática nem dos átomos. São coletâneas de discursos do próprio cientista – pensamentos, alocuções sobre filosofia e religião – material grandemente elucidativo, mostrando um Einstein comprometido com a paz mundial e a felicidade do ser humano. Nesse livro há uma frase dita por ele, no mínimo intrigante. Ela diz: “Eu penso 99 vezes, e nada descubro; deixo de pensar e mergulho no silêncio – e eis que a verdade me é revelada”.
É evidente que esses 99 esforços ditos por Einstein foram necessários como subestrutura preliminar, mas não foram suficientes para lhe revelar a grande verdade.
Um engenheiro constrói uma vasta rede de encanamento para prover de água uma cidade; mas, se não tiver uma nascente de água permanente – que não faz parte do seu encanamento – nunca terá água na sua rede. A nascente é causa, os encanamentos são apenas condições.
Temos que admitir que um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura de forma inesperada e imprevisível, mas precisa ser esquentada no óleo do inconsciente. Precedida de longo e trabalhoso período de reflexão, pontuado por tentativas e erros, a solução do problema muitas vezes surge ao cientista não como argumentação racional extensa, mas de forma compacta, semelhante a um raio caído do céu azul.
Esses vislumbres ocorrem em geral nos contextos mais inesperados. Todos conhecem os exemplos do eureca de Arquimedes ou da famosa maçã que “caiu sobre a cabeça” de Newton, nos idos do século XVII.
Essas extraordinárias descobertas passaram a moldar um admirável mundo novo, regido pelas leis da gravidade, da seleção natural, pelo código genético, pelo princípio da relatividade, princípio da conservação da energia...
Não existem receitas para a criatividade. Mas o que parece distinguir os indivíduos realmente criativos é a sua capacidade de alternar os dois estados psíquicos: a atenção focalizada, característica da atividade racional, e a abertura ao inusitado, que os torna receptivos aos lampejos da intuição à semelhança dos romances policiais, como nos admiráveis contos de Conan Doyle - o investigador depois de coligir todos os fatos de que necessita para solucionar alguma fase de seu problema, num determinado momento, o grande detetive percebe não serem necessárias mais investigações. Assim sendo, ele toca seu violino e depois repousa em uma poltrona, deliciando-se com o seu cachimbo - a verdade lhe foi revelada!
Carlos Roberto Furlan
Engenheiro Agrônomo/Professor