A MULHER DO CAPETA Vou contar UM SONHO QUE NASCEU ASSIM: Eu me casei com o Capeta, mas ele parecia lindo e bom. E o Capeta me deixou triste, quando entendi que era o capeta. Tive filhos com ele. E eu virei a “mulher do capeta” e deixei de ser eu mesma. Pois quando se é mulher do demo a gente deixa de ser humana. Deixa de existir. Mas como deixar de existir é muito chato, monótono e, sem motivação, a mulher tentava ser alguma coisa e não tinha mais alma nem cabeça. A coitada era inteligente e sonhadora, e daí muita frustração foi acontecendo. Nunca ouvia um sim, só o não, quando não era apenas o silêncio. Mas um dia o capeta se distraiu e contou que tinha terras em uma cidade, onde as ruas eram arborizadas de oliveiras, situada a mil metros acima do mar, temperatura de 17graus centígrados, e o clima era favorável às oliveiras e pêssegos. Ao ouvir tal notícia e fato, o sonho começou a nascer no desejo da mulher do capeta: ela iria lá, cercaria aquela terra preciosa fresquinha e fofa, plantaria mudas de oliveira e frutas européias. E nas férias escolares de seus filhos, tomaria um ônibus e iria lá cuidar dos lotes de terra preservados. Acompanharia assim o crescimento dos pés de azeitonas. O sonho foi ficando tão forte, que ela já amava aquela terra nobre. Fez planos, muitos planos, ajudava-a a levar o tempo a passar. Mas o marido nunca queria ir lá, nem dar nenhuma indicação dos lotes. A mulher do Capeta foi murchando, pois sem o endereço, não saberia localizar a preciosa terra. Por pior que o Capeta se tornava mais distanciado ficava o sonho. Mas sonho é assim. Não morre nunca. Mas o Capeta morreu um dia, hácinco anos atrás. E a mulher se interessou pelos terrenos que poderia herdar e, finalmente, ir lá, conhecer e, quem sabe, ainda plantaria mudas de azeitonas, mudas de oliveiras. Por mais que procurou não encontrou a menor informação. Até desistir. Mas a filha tentando resolver o inventário localizou os lotes do pai e com os impostos pagos em dia. Mas ainda está no nome do Capeta arrolado ao espolio. Tal notícia abriu uma porta azul, ampla feita céu, e a mulher reviu o sonho palpitando em ser realizado. A mulher ao lembrar-se do sonho, de tantos anos já corridos, que o chão estaria coberto de azeitonas caídas em fartura, ou já viradas mudinhas, prontas para transplantar... E as oliveiras iam sempre dar mais azeitonas... |
MLuiza Martins |
Publicado no Recanto das Letras em 27/03/2010 Código do texto: T2162593 |
Republicado hoje em homenagem a um leitor, 24/06/2011, A Mulher do Capeta.