O SOM DO CORAÇÃO

Mês passado aconteceu-me um fato pitoresco. Engraçado, sem dúvida, mas extremamente interessante. Gosto de refletir diante as experiências dos outros, sendo eles anônimos ou não. Gosto de pousar sobre os sentimentos, tentando extrair deles, experiências para minha vida.

Era domingo. Entretida com meu almoço, ao som de um bolero anos 80, como diz meu filho, bem cafona, porém, extremamente convidativo, cortava as batatas para a salada.

Com meus pensamentos em sintonia, mal ouvi o toque insistente da campainha. O som estava bem alto. Quando olhei pela janela da cozinha, vi um mendigo. Homem maltrapilho, descalço, cabelo desgrenhado e dançando??? Ele havia colocado suas sacolas no portão, e com os olhos fechados, bailava sobre a calçada quente como se relembrasse momentos inesquecíveis da sua vida. Num primeiro momento achei graça, mas depois lágrimas escorreram pelo meu rosto. Fiquei pensando o porquê aquele homem dançava. Qual a sensação que aquela música estava lhe proporcionando? No que ele pensava? Quais eram as suas recordações? Muitos sonhos? Alguma esperança? Grandes saudades? Estava ele dançando com sua amada? Ou relembrando momentos no colo da sua mãe? Estava em paz com sua escolha, ou conformado com o resultado? Teria aceitado seu destino ou apagado seu passado?

Aquele homem ficou um bom tempo ali, de olhos fechados, sorrindo ao vento. A música, com certeza, foi um pequeno bálsamo para as aflições da sua alma. O som havia penetrado nos acordes do seu coração!

Quando o volume diminuiu, ele abriu os olhos. Estavam marejados. Olhou pra mim, que assistia tudo pela porta da sala, e sorriu. Um velho mendigo com sorriso de criança mimada. Emocionada, retribui o sorriso. Perguntei o que ele queria. Sua resposta foi surpreendente:

- O que eu quero? Mais nada, dona... mais nada...

O velho resgatou suas sacolas daquele chão quente, e continuou sua caminhada fria. O fardo ainda existia, mas com certeza, estava mais leve!

Até hoje lembro daquela cena quando estou triste. Coloco o mesmo bolero, fecho os olhos e danço, permitindo que o som daqueles acordes, aqueça o meu coração. Nesse momento, tento esquecer no portão os meus pequeninos fardos...

Quando, lentamente, consigo abrir os olhos, elevo meu pensamento para o Dono da minha vida e falo assim pra Ele:

“ Não quero mais nada não Senhor... mais nada...”

Gilmara Giavarina