"GATO NO POTE"
Será que todos sabem ou pelo menos imaginam como é a conhecida "brincadeira" chamada de “gato no pote”, certamente ainda acontecendo por esse Brasilzão afora? Decerto não. Pois muito bem, eis como tudo era preparado e maquinado para gáudio da turba desmiolada indiferente ao destino do coitado: o felino desde cedo era capturado, amarravam uma fita em seu pescoço com um cédula de cinco mil réis e o colocavam no interior do pote, que tinha a boca fechada para desespero maior do pobre gato capturado para essa finalidade.
Logo após terminar a malfadada diversão do pau no sebo, tivesse ou não alguém conseguido subi-lo até o fim e arrancado o dinheiro colocado lá, começava o ruge-ruge do “gato no pote”. A algazarra, então, se fazia em alto e bom som. Traziam o pote já com o gato dentro, faminto, aterrorizado e sedento, a boca do utensílio completamente vedada com um pano de prato seguro por grossos cordões, amarravam o gargalo e penduravam-no num galho de árvore.
Formava-se a aglomeração, os risos espocavam, ninguém se entendendo porque falando ao mesmo tempo, aguardando o desfecho apoteótico da dramática cena que se seguiria. As pessoas previamente escolhidas se enfileiravam, a venda era colocada nos olhos do primeiro da fila, davam-lhe um porrete e o faziam girar até ficar tonto, então liberavam-no para procurar o pote com o gato a fim de, com apenas três cacetadas, tentar quebrá-lo. O povaréu urrava de tanto rir, xingava à menor porrada no ar do cara vendado, as vaias estrugiam e a diversão atravessava o ocaso em tantas ocasiões, até um dos encarregados de quebrar o pote acertar o alvo e fazê-lo em pedacinhos. Começava, daí por diante, o suplício do gato.
O coitado do bichano, apavorado pelo forte impacto no pote e pelas circunstâncias adversas em que se encontrava, além de, subitamente, cair desnorteado e se vê diante de centenas de pessoas ao seu redor querendo agarrá-lo, presa de incontrolável terror, disparava sem rumo, por qualquer brecha entre as pernas das pessoas e fugia esbaforido debaixo da gritaria humano, do corre-corre desenfreado, da ânsia dos que fariam de tudo para cair-lhe em cima num pulo certeiro para arrancar a cédula o seu pescoço.
Tropeções, quedas, gritos de dor e agonia, gente pisoteada,desespero, nervosismo, brigas, empurrões e safanões, absolutamente de tudo se via durante a perseguição ao gato amedrontado. Ao fim, a noite já adentrando, nem sempre o bichano escapava da sanha do seus perseguidores, sendo logo literalmente estraçalhado por três ou quatro marmanjões que lhe caíam em cima e terminavam aos socos na disputa pelo dinheiro ensangüentado. Se o animal lograsse enganar a turba enlouquecida pelos becos, ruelas e telhados, desaparecia com dinheiro e tudo e nunca mais era visto, pelo menos para quantos o tinham procurado até onde puderam e perderam sua pista. Talvez morresse devido aos ferimentos, talvez dias ou semanas depois fosse encontrado por alguém caridoso que cuidasse dele, ou algum ambicioso que o terminasse de matar para pegar o dinheiro preso em seu pescoço. Poucos sabiam o que, na verdade, terminava acontecendo com o indefeso gatinho. No domingo seguinte, caso houvesse pau no sebo e gato no pote, outro gato indefeso viria a ser caçado para a cruel brincadeira.