AS COISAS INVISÍVEIS

Certo poeta escreveu, há muitos anos: "A poesia não é quase nada, mas, às vezes, consegue transformar as coisas invisíveis". Este poeta de algum modo partiu, para muito longe, para tão longe quanto eu de algum modo também parti, cada/qual/para/uma/extremidade/do/universo.

Uni-verso: verso único, verso do único, o único do verso. Invisíveis ainda, sob a imagem com que nos vêem, sob as palavras com que nos lêem, nos falamos, de vez em quando, como se fôssemos aqueles que os outros ouvem; nos vemos, de vez em quando, como se fôssemos aqueles que os outros vêem, mas, sabemos: não somos esses. Somos aqueles cuja poesia não era quase nada, mas, tinha o poder/de/transformar/as/coisas/invisíveis.

Durante o percurso normal dos relógios, (o que é quase todo o tempo) e apesar da irrealidade que nos sabemos, escreves textos no teu site e as outras pessoas, inclusive eu, os comentam; publicas teus livros e nós os compramos; também eu escrevo textos e os publico; há um ano também eu, após dezenove anos, lancei um novo livro; nossos amigos comuns nos testemunham; tudo enfim se move como tudo o que existe sói mover-se pelas ruas cotidianas/do/mundo.

Sabemos, no entanto, apesar das evidências em contrário: não somos esses, não somos. Para onde efetivamente fomos não sabemos, talvez jamais o saibamos. Dentro do que chamam real, num átimo, por evanescentes segundos, ainda podemos sentir o aroma, o sabor e o saber da poesia, daquela poesia que foi nossa e que tinha o poder de transformar as coisas invisíveis. A poesia que construiu nossa casa invisível, a casa que nada pode destruir, que nem mesmo o meu esquecimento de ti, se eu um dia vier a me esquecer de ti, e nem mesmo o teu talvez já esquecimento de mim têm qualquer poder de destruição sobre ela, sobre a nossa casa invisível, para sempre invisível/casa, porque já inscrita no akasha, o espaço em que todo o existido está inscrito para sempre.

Na tarde de 05 de dezembro de 2009.

Republicação no início da tarde de 22 de junho de 2011.