Segredo de Estado

SEGREDO DE ESTADO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 22.06.11)

Assim como o Estado é uno e eterno, o Segredo de Estado também o é, ou seja, reveste-se igualmente das propriedades de unicidade e eternidade inerentes ao Estado a que serve e, sendo segredo, deverá estar coberto por sigilo eterno.

Nossos contatos e a maior ou menor habilidade que tivermos para manejá-los nos permitirão agregar nosso segredinho particular a esse vastíssimo patrimônio chamado Segredo de Estado, resguardando assim nossa intimidade e nossa privacidade pelos tempos sem fim.

Sarney fez assim. Depois de posicionar-se energicamente, nas profundezas do Poder, contra a abertura "indiscriminada" dos arquivos nacionais, mesmo depois de 30 ou 50 anos, o ex-presidente da República, eterno presidente do Senado, veio a público para fazer joguinho de cena. Disse que não tem restrição alguma a que vasculhemos os documentos do seu governo, sua preocupação única dirige-se a questões de soberania nacional, que possam levar embaraço, ressentimento ou rancor aos nossos vizinhos. E foi triunfal: quem quiser saber o que houve em sua gestão, que confira na sua Fundação, no Maranhão, a cópia deles todos, mais de 400 mil documentos, abertos aos interessados.

O que ele omitiu (talvez por ser Segredo de Estado), é que existe um papel pregado na porta da instituição que diz exatamente isto: "A Fundação José Sarney comunica ao público que por motivo de restauração do seu acervo, suas atividades estarão suspensas por tempo indeterminado." Suspensas talvez por 30 ou 50 anos, com direito a renovações perpétuas.

Collor é outro que também pressionou com sucesso o governo Federal no mesmo sentido. Ao que eu saiba, o atual senador, futuro presidente do Senado e antigo caçador de marajás, ainda não apresentou suas justificativas. Como se trata, porém, de um inventivo e fecundo ficcionista, logo teremos da parte dele uma saborosa história impessoal sobre sua posição a respeito do assunto.

E há, lógico, o caso crônico dos militares (e também dos diplomatas, sejamos justos com a História), que escondem documentos pelo menos desde a Guerra do Paraguai, ainda nos tempos do Império. Sequer a proclamação da República conseguiu romper os véus espessos que velam a participação dos nossos viscondes, condes e duques em intervenções, negócios e negociatas por aí. Dizem que, por questões de território e limites, poderemos ter aborrecimentos sérios com vizinhos como Peru e Bolívia, que se revoltarão contra nós se souberem do conteúdo dos nossos documentos eternamente secretos - o que significa a confissão implícita de que o Brasil (nós) foi desonesto ao tratar dessas questões, apropriando-se imoral e ilegalmente do que não era seu (nosso).

Mas, enfim, o nosso inabalável Judiciário está aí para auxiliar os interessados em geral na agregação do seu segredinho privado ao amplo repertório do Segredo de Estado. Na justificativa da sentença que manda retirar de circulação um determinado livro, o meritíssimo juiz do caso ensina com todas as letras: "O fato é que, independente da veracidade das informações e das respectivas fontes, houve excesso por parte dos réus na forma como ['Fulano'] foi descrito." E cita uma decisão do Tribunal de Justiça gaúcho: "O dano moral não decorre da veracidade ou não do material divulgado, mas do abuso no exercício da liberdade de expressão".

Desculpem-me, não me atrevo a revelar nome completo do juiz nem número do processo porque isso talvez seja Segredo de Estado, e nessas questões não convém arriscarmo-nos.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.