(Foto de Vicente Celestino e Gilda de Abreu,numa peça teatral)
Minhas Músicas Inesquecíveis_3_Ouvindo-te (Vicente Celestino)
Ouvindo-te, de autoria de Vicente Celestino, interpretada pelo próprio, em dueto com a sua esposa, Gilda de Abreu, é uma canção de 1935 e, embora não tenha alcançado o mesmo nível de popularidade de "O Ébrio" e Patativa", ficou para sempre gravada em meu espírito pelo estilo ligeiro e belo do tango-canção e pela letra - um sentimental poema, impregnado de uma comovente devoção amorosa, pois o autor canta a sua avassaladora paixão por uma mulher da qual só conhece a voz. E no poema, agora sob o percuciente olhar de um autor literário, reencontrei um inspiradíssimo verso que, com certeza, nesses mais de 70 anos, tem sido uma copiadíssima imagem poética a gerar muitos outros versos, frases ou títulos de obras literárias:: "Mesmo sem te ver sempre te quis."
Assim que postei a primeira crônica desta série "Minhas Músicas Inesquecíveis", avisando que uma, ou mais, seriam dedicadas às músicas cantadas por Vicente Celestino - o brilhante tenor brasileiro cuja voz foi companheira da infância e adolescência dos brasileiros nascidos nas décadas de 40/50, como é o meu caso - descobri que a minha dileta amiga e autora do Recanto das Letras, Celina Figueiredo, foi amiga e contemporânea de Gilda de Abreu, a esposa, musa e maior fã de Vicente Celestino. Então, ela me informou, entre tantas outras gratas reminiscências dessa sua saudosa amizade com Gilda que, nessa música Ouvindo-te, a intervenção de Gilda, sob a forma de garganteio, vocalize, ou coisa parecida, só ela, naquela época, sabia fazer. Lembrando-me de quanto eu gostava dessa música, fui buscá-la, para unir, neste último texto, que finaliza o resgate literário do meu apaixonado fervor com que ouvia as canções de Vicente Celestino, o útil ao agradável: reviver a música, o talento do tenor Vicente e também o talento da soprano Gilda de Abreu.
E como prometi, ao encerrar a minha relembrança de uma inesquecível trilogia musical de Vicente Celestino, conto um pouquinho da biografia do casal Celestino-Gilda, que juntos viveram, por 35 anos, uma doce e encantadora história de amor, sublimada, inclusive, post mortem.
Vicente Celestino (Antônio Vicente Filipe Celestino), cantor, compositor e ator, nasceu no Rio de Janeiro /RJ, em 12 de setembro de 1894 e faleceu em São Paulo, em 23 de agosto de 1968. Cantor por 54 anos consecutivos, Celestino passaria incólume por todas as fases e modismos, mesmo quando, no final dos anos 50, fiel ao seu estilo, gravou "Conceição", "Creio em Ti" e "Se Todos Fossem Iguais a Você". Seu eterno arrebatamento, paixão e inigualável voz de tenor, fizeram com que o povo o elegesse como A Voz Orgulho do Brasil.
Cantando já para uma quarta geração, apresentou-se pela última vez para uma pequena platéia de 200 pessoas, durante um ensaio em São Paulo, na triste tarde de 23 de agosto de 1968, onde artistas, músicos, cantores ensaiavam para um "show" que seria gravado às 23 horas. Cantou naquele ensaio (dito pelos colegas), talvez como nunca tenha cantado antes, a canção "Mande uma Flor de Saudade" com letra de M. Ghiaroni e música de sua autoria. Mas aquele havia sido o Canto do Cisne da mais aplaudida e incompreendida voz do cancioneiro brasileiro. E, assim, às 22:30 horas daquela noite calou-se para sempre "A voz orgulho do Brasil".
Gilda de Abreu, com quem se casou em 1933, era cantora, atriz, cineasta, compositora e escritora. Nasceu aos 23/9/1904 em Paris, na França, filha de médico pertencente ao corpo diplomático brasileiro e de professora de piano do Conservatório Nacional de Música do Rio de Janeiro, e teve na França uma educação esmerada.
Era uma moça de classe média alta que se casou com Vicente, cantor pobre, mas um homem encantador. Viveram um casamento harmonioso e feliz por 35 anos e, ao que se sabe, Vicente a colocava numa redoma, tamanha era a pureza e o porte nobre de Gilda de Abreu, uma verdadeira dama.
Com a morte do marido em 1968, Gilda de Abreu passou a viver no anonimato em seu apartamento no Morro da Viúva, no Rio de Janeiro. Em 1977, surpreende a opinião pública com um novo casamento, desta vez com o também tenor José Spinto, 39 anos mais novo que ela. Faleceu aos 74 anos, em 4/6/1979.
O fato de Gilda de Abreu - aos 72 anos, 9 anos após a morte de Vicente Celestino e 2 anos antes de ela própria morrer - ter se casado com José Spinto, 39 anos mais novo que ela, deslustra a linda história de amor vivida por Gilda e Celestino? Não, ao contrário, ela se sublima, se soubermos ver o fato com um olhar além da vida. Vejamos o que nos diz a respeito, a minha respeitável fonte, a grande poetisa do Recanto das Letras, Celina Figueiredo:
Quanto ao casamento, havia entre o José e a Gilda uma diferença de idade imensa e, penso, ele a amava mais como filho do que como marido. Era muito carinhoso com ela e dedicadíssimo.
Ela sofreu um AVC, quando subiu ao palco e cumprimentava os bailarinos, não me lembro mais se do Balet Bersoska ou um outro, talvez polonês. Ficou em coma por muitos dias. O José foi incansável.
Foi um casamento simbólico, de um incrível amor platônico, embora fossem casados no civil e no religioso. O religioso foi celebrado em um altar montado em frente a um retrato de Vicente no tamanho natural. A impressão que se tem é de que ele está entregando Gilda ao José. A foto ficou linda. Desculpe-me , amigo, a viagem que fiz no tempo e na saudade. Beijos. Celina. (por e-mail de 12/04/2011, 18;47).
A releitura que hoje eu faço, 34 anos depois desse fato, é que José Spinto deveria idolatrar tanto o seu grande mestre Vicente Celestino quanto a sua viúva Gilda de Abreu. Movido por esse sentimento, aliado a um motivo de ordem moral, social, econômica ou sentimental, decidiu colocar a grande dama sob a sua proteção e o fez com dignidade e nobreza, casando-se com ela, sob os auspícios da Lei e da Religião. Como diz Celina, foi um casamento simbólico e o retrato de Vicente no tamanho natural, por trás do altar da cerimônia religiosa, no meu ponto de vista, significa exatamente isso: Vicente entrega Gilda para que José Spinto a proteja. A nobre dama sofrera de um AVC, precisava de cuidados especiais, mas o seu pudor de mulher fina e altiva certamente se recusaria a se pôr sob a proteção de qualquer homem que não fosse seu marido. Por isso, para poder cuidar dela, José Spinto, 39 anos mais novo, leva-a ao altar, sob as bênçãos de Vicente. O amor supera barreiras, inclusive a da morte.
Isso posto, convido agora todos aqueles que gostam do que é bom e belo para, juntos comigo, saborearem a letra e a música da inolvidável canção-tango Ouvindo-te.
===================================================
(Foi incluída nesta edição, a música "Ouvindo-te", de autoria de Vicente Celestino, cantada pelo próprio Vicente Celestino. Contudo, devido à política editorial do Recanto das Letras, as músicas só podem ser reproduzidas no Site do Escritor; caso você esteja visualizando esta página apenas no Recanto das Letras e queira ouvir a música incluída, use o link de controle abaixo para ser redirecionado ao Site do Escritor)
antoniomaria.prosaeverso.net/visualizar.php
Minhas Músicas Inesquecíveis_3_Ouvindo-te (Vicente Celestino)
Ouvindo-te, de autoria de Vicente Celestino, interpretada pelo próprio, em dueto com a sua esposa, Gilda de Abreu, é uma canção de 1935 e, embora não tenha alcançado o mesmo nível de popularidade de "O Ébrio" e Patativa", ficou para sempre gravada em meu espírito pelo estilo ligeiro e belo do tango-canção e pela letra - um sentimental poema, impregnado de uma comovente devoção amorosa, pois o autor canta a sua avassaladora paixão por uma mulher da qual só conhece a voz. E no poema, agora sob o percuciente olhar de um autor literário, reencontrei um inspiradíssimo verso que, com certeza, nesses mais de 70 anos, tem sido uma copiadíssima imagem poética a gerar muitos outros versos, frases ou títulos de obras literárias:: "Mesmo sem te ver sempre te quis."
Assim que postei a primeira crônica desta série "Minhas Músicas Inesquecíveis", avisando que uma, ou mais, seriam dedicadas às músicas cantadas por Vicente Celestino - o brilhante tenor brasileiro cuja voz foi companheira da infância e adolescência dos brasileiros nascidos nas décadas de 40/50, como é o meu caso - descobri que a minha dileta amiga e autora do Recanto das Letras, Celina Figueiredo, foi amiga e contemporânea de Gilda de Abreu, a esposa, musa e maior fã de Vicente Celestino. Então, ela me informou, entre tantas outras gratas reminiscências dessa sua saudosa amizade com Gilda que, nessa música Ouvindo-te, a intervenção de Gilda, sob a forma de garganteio, vocalize, ou coisa parecida, só ela, naquela época, sabia fazer. Lembrando-me de quanto eu gostava dessa música, fui buscá-la, para unir, neste último texto, que finaliza o resgate literário do meu apaixonado fervor com que ouvia as canções de Vicente Celestino, o útil ao agradável: reviver a música, o talento do tenor Vicente e também o talento da soprano Gilda de Abreu.
E como prometi, ao encerrar a minha relembrança de uma inesquecível trilogia musical de Vicente Celestino, conto um pouquinho da biografia do casal Celestino-Gilda, que juntos viveram, por 35 anos, uma doce e encantadora história de amor, sublimada, inclusive, post mortem.
Vicente Celestino (Antônio Vicente Filipe Celestino), cantor, compositor e ator, nasceu no Rio de Janeiro /RJ, em 12 de setembro de 1894 e faleceu em São Paulo, em 23 de agosto de 1968. Cantor por 54 anos consecutivos, Celestino passaria incólume por todas as fases e modismos, mesmo quando, no final dos anos 50, fiel ao seu estilo, gravou "Conceição", "Creio em Ti" e "Se Todos Fossem Iguais a Você". Seu eterno arrebatamento, paixão e inigualável voz de tenor, fizeram com que o povo o elegesse como A Voz Orgulho do Brasil.
Cantando já para uma quarta geração, apresentou-se pela última vez para uma pequena platéia de 200 pessoas, durante um ensaio em São Paulo, na triste tarde de 23 de agosto de 1968, onde artistas, músicos, cantores ensaiavam para um "show" que seria gravado às 23 horas. Cantou naquele ensaio (dito pelos colegas), talvez como nunca tenha cantado antes, a canção "Mande uma Flor de Saudade" com letra de M. Ghiaroni e música de sua autoria. Mas aquele havia sido o Canto do Cisne da mais aplaudida e incompreendida voz do cancioneiro brasileiro. E, assim, às 22:30 horas daquela noite calou-se para sempre "A voz orgulho do Brasil".
Gilda de Abreu, com quem se casou em 1933, era cantora, atriz, cineasta, compositora e escritora. Nasceu aos 23/9/1904 em Paris, na França, filha de médico pertencente ao corpo diplomático brasileiro e de professora de piano do Conservatório Nacional de Música do Rio de Janeiro, e teve na França uma educação esmerada.
Era uma moça de classe média alta que se casou com Vicente, cantor pobre, mas um homem encantador. Viveram um casamento harmonioso e feliz por 35 anos e, ao que se sabe, Vicente a colocava numa redoma, tamanha era a pureza e o porte nobre de Gilda de Abreu, uma verdadeira dama.
Com a morte do marido em 1968, Gilda de Abreu passou a viver no anonimato em seu apartamento no Morro da Viúva, no Rio de Janeiro. Em 1977, surpreende a opinião pública com um novo casamento, desta vez com o também tenor José Spinto, 39 anos mais novo que ela. Faleceu aos 74 anos, em 4/6/1979.
O fato de Gilda de Abreu - aos 72 anos, 9 anos após a morte de Vicente Celestino e 2 anos antes de ela própria morrer - ter se casado com José Spinto, 39 anos mais novo que ela, deslustra a linda história de amor vivida por Gilda e Celestino? Não, ao contrário, ela se sublima, se soubermos ver o fato com um olhar além da vida. Vejamos o que nos diz a respeito, a minha respeitável fonte, a grande poetisa do Recanto das Letras, Celina Figueiredo:
Quanto ao casamento, havia entre o José e a Gilda uma diferença de idade imensa e, penso, ele a amava mais como filho do que como marido. Era muito carinhoso com ela e dedicadíssimo.
Ela sofreu um AVC, quando subiu ao palco e cumprimentava os bailarinos, não me lembro mais se do Balet Bersoska ou um outro, talvez polonês. Ficou em coma por muitos dias. O José foi incansável.
Foi um casamento simbólico, de um incrível amor platônico, embora fossem casados no civil e no religioso. O religioso foi celebrado em um altar montado em frente a um retrato de Vicente no tamanho natural. A impressão que se tem é de que ele está entregando Gilda ao José. A foto ficou linda. Desculpe-me , amigo, a viagem que fiz no tempo e na saudade. Beijos. Celina. (por e-mail de 12/04/2011, 18;47).
A releitura que hoje eu faço, 34 anos depois desse fato, é que José Spinto deveria idolatrar tanto o seu grande mestre Vicente Celestino quanto a sua viúva Gilda de Abreu. Movido por esse sentimento, aliado a um motivo de ordem moral, social, econômica ou sentimental, decidiu colocar a grande dama sob a sua proteção e o fez com dignidade e nobreza, casando-se com ela, sob os auspícios da Lei e da Religião. Como diz Celina, foi um casamento simbólico e o retrato de Vicente no tamanho natural, por trás do altar da cerimônia religiosa, no meu ponto de vista, significa exatamente isso: Vicente entrega Gilda para que José Spinto a proteja. A nobre dama sofrera de um AVC, precisava de cuidados especiais, mas o seu pudor de mulher fina e altiva certamente se recusaria a se pôr sob a proteção de qualquer homem que não fosse seu marido. Por isso, para poder cuidar dela, José Spinto, 39 anos mais novo, leva-a ao altar, sob as bênçãos de Vicente. O amor supera barreiras, inclusive a da morte.
Isso posto, convido agora todos aqueles que gostam do que é bom e belo para, juntos comigo, saborearem a letra e a música da inolvidável canção-tango Ouvindo-te.
===================================================
(Foi incluída nesta edição, a música "Ouvindo-te", de autoria de Vicente Celestino, cantada pelo próprio Vicente Celestino. Contudo, devido à política editorial do Recanto das Letras, as músicas só podem ser reproduzidas no Site do Escritor; caso você esteja visualizando esta página apenas no Recanto das Letras e queira ouvir a música incluída, use o link de controle abaixo para ser redirecionado ao Site do Escritor)
antoniomaria.prosaeverso.net/visualizar.php