Um dia de Corpus Cristhi

Fui um menino daqueles que freqüentava diariamente a Igreja.

Participava de todas as programações realizadas pela paróquia do Rosário.

O meu objetivo era estudar em um seminário para ser um sacerdote.

Tinha e sempre tive um respeito muito grande pelo sagrado.

Minhas brincadeiras era reunir as crianças em torno de um altar para rezar. Felizmente sempre conseguia a participação daqueles mais rebeldes.

No meu quarto, havia um altar muito bem cuidado com muitas imagens de devoção da família, ali era o meu local preferido. Passava grande parte do dia naquele local.

Como era filho de uma família numerosa era quase impossivel freqüentar um Seminário.

Lembro-me que assim que tirei diploma do Grupo Escolar Emílio Pereira de Magalhães, eu e minha mãe fomos encontrar com o Padre Jose Lopes dos Santos. Foi um momento de muita expectativa.

Minha mãe me apresentou ao vigário e logo no início da conversa ele descartou qualquer possibilidade de enviar-me para o Seminário. Minha família não tinha recursos para manter os meus estudos.

Sai da casa paroquial decepcionado.

Mas ele me disse que eu poderia servir a Igreja de outra forma.

Juro que fiquei revoltado naquele instante.

Fiquei alguns dias sem freqüentar a Igreja.

Não achava justa aquela decisão do sacerdote.

Mas era assim a Igreja naquele tempo.

Pobre não tinha vez.

Passado alguns dias, recebi um recado do Padre me convidado para freqüentar as aulas de Latim, ministrada por Dona Lourdes, esposa de Sr. Rodilom para que eu pudesse aprender a responder missas.

Naquela época toda a liturgia era celebrada em Latim.

Aceitei.

Só não me interessei com a liturgia de encomendação de defuntos, devido aquele ritual me causar pavor.

Mesmo triste por não ter realizado o sonho de ir para um Seminário, continuei participando das celebrações.

Assim que terminei o curso, surgiu um novo problema. Como comprar a batina de coroinha. Não tive condições.

Até que em uma véspera de uma procissão de Corpus Christi me emprestaram uma batina.

Naquela noite nem consegui dormir.

Como foi longa aquela noite.

Aquele seria o dia mais importante de minha vida.

Ser um turiferário era tudo que todo coroinha queria.

Pela primeira vez poderia carregar o Turíbio, e ficar bem pertinho do Santíssimo Sacramento.

Experimentei a tal batina, era tão grande que cabia dois de mim.

Minha mãe deu um jeito, apertou e embainhou aquela veste.

Mesmo assim ficou um pouco larga. Percebia claramente que o defunto era bem maior.

A procissão estava marcada para iniciar às 15h00min, era preciso estar na Igreja pelo menos 1:OO hora antes.

A ansiedade era tamanha que cheguei às 12h00min.

Fiquei por muito tempo na sacristia a espera de Senhor Intecto que era o irmão do Santíssimo, responsável pelas ultimas instruções aos coroinhas.

Assim que ele chegou foi aquele sermão de recomendações.

Não fazer bagunça com o incenso, não deixar o braseiro de o Turíbio apagar, tocar a campainha com moderação.

O incenso que estava na naveta deveria ser utilizado aos poucos. Poderia usar mais quantidade nos momentos das bençãos que aconteceria durante o percurso. Eram ordens do Padre.

Padre Lopão gostava de percorrer toda a procissão. Arrastava aquela batina preta pelas ruas calçadas de pedras de ferro.

O silencio era total.

Assim que o Santíssimo chegou às proximidades da Casa da Banda Euterpe, percebemos que Padre estava distante.

Naquele momento resolvemos por conta própria derramar incenso no Turíbio, e o perfume exalou por toda rua.

O Padre mesmo distante percebeu que aquilo era arrumação de algum dos coroinhas. De longe deu um grito que quebrou todo aquele silencio antes interrompido somente pelos sinos e campainhas.

Arrancou o Turíbio de minhas mãos, e a naveta, (vasilha utilizada para armazenar o incenso) das mãos de outro coroinha.

Ordenou que o Senhor Intelecto nos acompanhasse de volta a Matriz com a seguinte recomendação.

Coloque estes meninos de joelhos em frente à imagem de São Jorge.

Poderíamos levantar somente com a sua ordem quando a procissão retornar a Matriz.

A tal imagem era o terror da criançada.

O olho de vidro da imagem parecia que era real.

Aquilo era apavorante.

Os antigos contavam que todos os cavalos que conduziam São Jorge pelas ruas da cidade no dia de sua festa, morriam poucos dias depois.

Imagine o que passou em nossas cabeças de meninos naquelas horas.

Tremíamos como vara verde ao saber que em nossa frente estava o tal Santo.

Mas em momento algum tivemos a coragem de encarar o Santo.

Permanecemos durante três horas com os nossos rostos virados para as paredes clamando os anjos e santos de nossa devoção.

Clamava a Senhora do Rosário para ter piedade e nos proteger daquele Santo que nos apavorava.

À medida que as horas iam passando e a Igreja escurecia, o medo aumentava.

Assim que o sino do Santíssimo começou a tocar festivamente anunciando a chegada da procissão tivemos uma sensação de alivio e ao mesmo tempo medo.

Livraríamos do Santo, mas caiamos nas mãos do Padre.

Qual seria a atitude do Padre para conosco.

Ouvimos o barulho dos seus sapatos cada vez mais perto. Percebemos que vinha em nossa direção. O pavor aumentava a cada momento.

Tinha certeza que era ele que aproximava.

Suávamos frio.

Assim que ele chegou bem perto, tocou levemente com as mãos em nossos ombros e disse as seguintes palavras: ”Meninos, por favor, me perdoem por tal atitude.” E nos abraçou chorando.

Foi aquele alivio.

Um dia tão esperado por mim, transformou em um pesadelo.

Mas ficou na lembrança uma saudade de um homem severo que carregava no peito um coração de criança.

Tinha a humildade de pedir perdao.

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Marconi Ferreira
Enviado por Marconi Ferreira em 21/06/2011
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