DA VERDADE PARA ALÉM DO FINGIMENTO
Os sentimentos, em certas épocas da vida, estão de tal modo anestesiados, que precisamos acreditar, com toda fé possível e em um esforço hercúleo, na verdade intrínseca, interior, das manifestações exteriores da nossa indignação, da nossa tristeza, do nosso rancor, do nosso ódio, até mesmo do nosso amor (...).
Precisamos crer que, mesmo aparentando serem fingimento diante da nossa própria consciência nua, sem auto disfarces, (não fingimento perante as outras pessoas) elas, tais manifestações nossas sejam, em última análise, sentimentos autênticos, autênticos no seu âmago mais profundo, no seu âmago inacessível ao nosso próprio pensamento articulado: sentimentos verdadeiros.
Afinal, se o fingimento é, praticamente, a condição básica de ser da Poesia, por sua vez, naquilo a que damos o nome de “vida real”, as manifestações efetivas de sentimentos (reais que sejam ou que tenham sido) e que carreguem, simultaneamente, a marca do “fingimento poético”, podem causar estragos profundos, irreversíveis, irremediáveis, tanto nas nossas próprias vidas, quanto nas vidas dos que não têm por ofício o exercício cotidiano do fingimento, uma das condições-base do ser da Poesia.
Por que amar, simplesmente amar, no imediato dos dias, é tarefa tão difícil para alguns poetas e também para alguns seres com a própria antena poética (em todos os sentidos e alcance destas duas palavras) mais desenvolvida do que a da média das pessoas? Por quê?
Na noite de 20 de junho de 2011.
Publicação no início da madrugada de 21 de junho de 2011.