A GRANDE SECA / RETIRANTES.
A GRANDE SECA / RETIRANTES.
Guel Brasil
E foi num dia qualquer do mês de janeiro de 1953, que nós saímos como retirantes deixando para trás tudo que era nosso. Durante toda a noite foi de arrumação; dois pares de broacas feitas com couro de boi, e dois pares de panicuns feitos com cipós de guatambu, coube de um tudo que ia nos servir durante a viagem, mesmo por que não sabíamos para onde nós estávamos indo.
Muita coisa do que era nosso tinha que ficar para trás, não tinha como carregar tudo. A noite foi longa, mas o dia com certeza seria bem maior; tio Superio, irmão mais velho de minha mãe, não quis nos acompanhar, estava velho e fraco para fazer a longa viagem; pai então pe-diu a ele que cuidasse do que era nosso, na esperança de um dia poder voltar. Saímos antes de o sol nascer, com todos os nossos animais; as vacas, as cabras e os jumentos; dois deles levando carga, e dois servindo de montaria. Papai e mamãe puxando a frente, enquanto nós íamos revezando a montaria. O dia todo debaixo de um sol escaldante, e ouvindo o som do canto das cigarras estrada a fora; quando o sol tava começando a se esconder, pai disse que nós tínhamos andado cerca de quatro léguas e que era boa hora para pedir pousada. Entramos no limite da fazenda Olhos D’água, propriedade de Zeca Teixeira, que nos deu pousada e água para os nossos animais. E disse mais; __ “se quiserem podem ficar por aqui dois ou três dias para dar descanso aos animais; ocupem a casa de farinha". E lá ficamos por três dias, e ele nos ajudou mais ainda comprando das mãos de mau pai as quatro vaquinhas que nós estávamos levando; foi bom, o dinheiro foi de grande valia pra gente seguir em frente.
Durante a longa viagem, passamos por muitos lugares, lugares totalmente diferentes do sertão, com direito a riachos, rios e cachoeiras; rio do Lope, rio das Mulheres rio do Silvano, até chegarmos ao nosso paradeiro. “E as pessoas nos diziam;” vão para tal lugar, lá eles estão precisando de gente para a construção de uma barragem;” outros diziam, "vão para o sul, lá eles estão precisando de gente para trabalharem na rica lavoura de cacau e criação de gado".
Foram muitos dias de viagem; até que alguém nos disse:
__"aqui tem trabalho pra vocês." Eu estava levando comigo um bornal feito de lona que ganhei do meu avô, e para cada começo de noite quando a gente parava para descansar, eu colocava uma pequena pedra. E quando por fim nós paramos, pedi pra Josa contar as pedrinhas; dezoito pedras dentro do meu bornal. Foram dezoito dias que durou a nossa jornada. O lugar que nós fomos bem recebidos era uma fazenda muito bonita, que também tinha um nome na porteira de entrada. "Ribeirão das Flores", cujo proprietário era um doutor chamado Eduardo Brandão; homem de boa prosa e de bom trato. A casa que ele nos deu para morar, era num pé de serra, feita de pau a pique, com direito a água que vinha canalizada da serra, e que nunca acabava.
Chegamos com pouca coisa; papai já tinha vendido na viagem as vacas, as cabras e dois jumentos com arreio e tudo. Foi bom, não passamos fome durante a viagem, e conheci lugares que eu nunca vou esquecer. Daqui pra frente, vida nova. Aqui tem escola, e logo que a gente chegou, nós já começamos a estudar; e o Dr. Brandão providenciou para que todos nós tirássemos registro de nascimento. Os meninos e as meninas já tinham nomes: elas herdaram o sobrenome de minha mãe, e nós herdamos o sobrenome de pai. Passei a me chamar Elpidio dos Santos, nome do meu avô; e o apelido de “Usalvim” foi sendo guardado aos poucos na caixinha de saudades que ficou lá no passado.
Também era assim; trabalhar durante o dia, e a noite agente estudava. A escola era ali mesmo, pertinho de onde nós morávamos. De todos nós, Josa foi quem mais teve facilidades pra aprender. Acabou virando professora leiga ali mesmo na própria fazenda onde a gente morava.