A GRANDE SECA / RELATOS
A GRANDE SECA / RELATOS.
Guel Brasil.
Sabe aquele meu tio Superio, irmão da minha mãe que ficou tomando conta de nossas terras? Mandou carta pra gente; deve ter pedido pra alguém escrever, visto que também era analfabeto.
Quem vai ler a carta pra nós é Josa; dizia meu tio na carta:
__"Depois de três anos de seca, choveu no sertão; e a chuva foi grande, que acabou enchendo tudo quanto era de buraco por aqui no entorno de mais de seis léguas; e foi chuva pesada com direito a vento, raio, corisco, pedra e trovão; andou estragando algumas casas por aqui, mas a nossa está de pé; deu até cachorro doido. Achei comprador pras terras; se quiserem vender, o moço disse que compra de porteira fechada. Meu filho mais velho, Rogacino, logo depois que vocês saíram daqui, começou de namorico com Mocinha, filha do finado Rochael da salgadeira; digo finado por que ele não agüentou atravessar a grande seca, e acabou morrendo de febre-tifo; e como eles não tinham cemité-rio, a família me pediu um cantinho aqui no nosso, e eu não pude negar. Pois é, a menina embuchou, amasiou-se, e logo depois pariu um menino, isso lá se vai quase quatro anos. As crianças que nasceram nesse tempo, nunca tinha visto chuva; o medo foi tanto, que a gente só via era menino correndo pra se esconder embaixo das camas. Gracilina minha mulher tem andado muito doente; diz os doutor que é mal sem cura, só no aguardo da hora. Se vocês quiserem me escrever, mande aos cuidados de Zeca Teixeira da fazenda Olhos D’água. No mais, aqui está tudo bem; a todos um forte abraço, seu criado, Superio."
E o tempo foi passando, Raabe casou-se e fez família por ali mesmo; e cada uma das meninas foi tomando seu próprio destino, e passaram a cuidar de nosso pai, por que mãe havia falecido de impalu-dismo aos oitenta anos de idade. Os homens da casa, inclusive eu que era o mais novo, sumimos no oco do mundo, cada qual tomou seu rumo, sem nunca mais termos voltado à "Fasenda águas doçe". Eu voltei agora, pra sepultar meu velho pai, que morreu de velhice aos noventa e dois anos de idade; atendendo um pedido dele que em vida dizia sempre, queria ser sepultado no nosso cemitério; aproveitei e trouxe os restos mortais de nossa mãe, pra que os dois ficassem juntos. Tudo aqui está muito diferente; os moirões da porteira estão caídos e carcomidos pelo tempo, a porteira está aberta jogada junto à cerca de gravatá, a casa onde passei parte da minha infância está abandonada, sem portas e eu não tive coragem de entrar. Meu tio Superio e tia Gracilina que Deus os tenha; ela faleceu primeiro de doença matadeira, e ele pouco depois; eu acho que não agüentou viver na solidão. Aqui do alto desta colina onde está o cemitério, dá pra ver grande parte de nossas terras e as veredas do sertão. Nada mudou; a seca castiga, a miséria é grande, e a fome continua matando aqueles que não podem ser retirantes.
Em carta eu disse pra meus irmãos; “não vamos vender nossas terras”, quem sabe aqui seja lugar de descanso pra muitos de nós. E tive que partir novamente chorando como um menino, com muitas sauda-des.
Se Deus me der direito vou fazer de um tudo, pra que aqui seja meu lugar de descanso.