Tudo culpa da Amélia

Penso que Mário Lago ao escrever a letra da música "Ai, que saudades da Amélia" não imaginou que a sua personagem se tornaria símbolo daquilo que as mulheres negariam para si. Não ter a menor vaidade e achar bonito não ter o que comer realmente não transforma uma mulher em "...uma mulher de verdade". Entretanto, tenho percebido que há algumas atitudes na vida moderna que tornam relevantes algumas considerações.

Há dias ouvi uma mulher, mãe de uma adolescente, dizer que não permite que a filha aprenda nada relacionado ao serviço doméstico. Chegar perto do fogão, então, nem pensar! A sua interlocutora perguntou qual o motivo de sua atitude e ela esclareceu que dessa forma sua filha não será “empregada de homem” numa alusão ao futuro genro. Tive ímpetos de indagar se ela já está se preparando para cuidar dos filhos de sua filha ou se isso será tarefa da outra avó. Porque, convenhamos, se temos uma filha é natural pensar que ela um dia, provavelmente, será mãe. E, por mais que se tenha uma situação financeira favorável, existem algumas coisas básicas que uma mãe precisa dar conta de fazer. O que se vê atualmente é que as mulheres, por terem estudado e serem profissionais competentes fora de casa, sentem-se ofendidas por ter que fazer uma simples refeição para a sua família, tarefa que consideram ser própria para as “Amélias”. Vangloriam-se de não saber fazer um simples café! Então eu pergunto: não estamos nós, mulheres, tomando como paradigma o comportamento dos homens que não faziam tarefas domésticas porque isso não era serviço para macho? Não estaremos nós, mulheres inteligentes e competentes, fadadas à dependência naquilo que é o mais básico na vida familiar? Não defendo aqui que a mulher vá para a cozinha todos os dias, até porque seria impossível com a dinâmica do trabalho fora de casa. O que não entendo é essa ojeriza que as novas gerações de mulheres têm em relação ao trabalho essencial para a criação de uma família e a colocação irônica e desrespeitosa de que aquela que o faz é uma “Amélia”. Até porque hoje, felizmente, assistimos a uma nova postura dos homens, que contribuem com a rotina familiar, cozinhando, ajudando na faxina, e outros afazeres. Conheço homens que lavam e passam suas próprias roupas. O que é um grande avanço! Estamos assistindo agora a inversão de papéis: antes o homem não fazia trabalho doméstico porque isso era coisa de maricas. Agora é a mulher que não faz, pois isso é coisa de Amélia. Melhor seria se ambos assumissem o papel de companheiros e parceiros em todos os aspectos e tornassem o cotidiano da vida familiar mais agradável. E, além disso, devemos lembrar do imenso prazer de, lá um dia ou outro, comer uma comidinha, por mais simples que seja, feita pela mamãe. Seja ela Amélia, Anézia, Cândida, Maria, Stéffany, Luciana, Tatiane... E esse momento não vai torná-la menos inteligente ou menos capaz. Vai apenas torná-la ainda mais especial. E inesquecível!