AONDE EU COMPRO UM FUZIL?
A Lei brasileira proíbe terminantemente o comércio aberto de qualquer tipo de armamento; a regulamentação desta mesma lei diz que em tese, comprovados os requisitos exigidos, todos os civis podem comprar armas de determinados calibres, desde que estejam registradas e não sejam utilizadas de modo visível, porque se alguém que não seja autoridade ou necessitado de fato; quiser portar uma arma de fogo, com certeza, não conseguirá; pelo menos na forma que foi redigida a lei vigente!
Subterfúgios sempre haverá e alguém que os conheça bem estará sempre comprando um trabuco que cospe bala de chumbo de forma legal para portá-lo num coldre axilar e tirar a maior onde de polícia; mas aquele que desejar o porte precisa saber que o caminho até ele é árduo e o máximo que se consegue é uma pistola calibre .380. Esportistas e caçadores também podem comprar alguns rifles, espingardas e carabinas; tudo legalizado e dentro da mais perfeita ordem!
Mas se em tese há esta burocracia toda, como é que vemos tantas armas nas mãos dos bandidos? Se a polícia, as forças armadas, empresas de segurança e demais autoridades que podem portar armas têm um controle tão rígido de seus arsenais, como é que tantas armas, dos mais variados calibres, vão parar nos morros, favelas e nas mãos de quadrilhas de criminosos?
As portas de entrada todos nós sabemos bem quais são; vindas do Norte para o Sul da América do Sul os fuzis, lançadores de granadas, pistolas exclusivas de forças armadas, escopetas e outros brinquedinhos tão íntimos do crime chegam por todos os lados, do México até o Panamá e de lá passando pela Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia, Equador até chegar ao paraíso do crime sul-americano, o Paraguai.
Se a rota extensa, ilegal e difícil não for feita pela costa Oeste da América do Sul, provavelmente chega também pelo próprio Brasil nos portos que recebem diariamente os milhares de contêineres cujo destino é também o Paraguai. Em tese e devido a tratados internacionais que somente nós cumprimos; as mercadorias destinadas a países que necessitam passar por outros, não sofrem qualquer tipo de inspeção militar ou aduaneira; isso ocorre por causa de uma medida simples e singular: países sem portos marítimos, como o Paraguai, de comum acordo com países amigos, usam estes portos dos amigos para receberem produtos importados.
Os produtos que o Paraguai recebe todos os dias, inclusive armas e drogas, podem em tese estar entrando pelo Brasil apara abastecer os milhares de distribuidores criminosos paraguaios cuja cobertura do Estado é eminente. A organização maléfica, cujas raízes estão fincadas no caráter de muitos paraguaios, justapõe à questão da ética e caráter; desvirtua a confiança e os princípios de justiça, ordem e até a soberania. Tudo porque o Estado não consegue mais promover a justiça e a ordem interna; contando com um batalhão de soldados fardados e miseráveis que buscam no crime uma forma menos desumana para não morrer; e uma população que já se acostumou a cegar-se diante do desonesto, do dolo, também para não morrer de fome e à margem da Lei!
As armas que abastecem os supermercados do crime no Brasil raramente chegam de avião em aeroportos fiscalizados; dificilmente possuem um suporte logístico como ocorre com as drogas e o nosso maior efetivo armado, por mais corrompido que se apresente; não nos faz crer que abasteça este mercado mortífero; portanto, sem ressalvas e sem poesias, as armas que matam nossos filhos e aleijam nossas consciências de trabalhadores e cidadãos que esquadrinham o progresso brasileiro, estão entrando pelas portas mais visíveis e contando com a conivência clara e absoluta do Governo; e eu não falo do Governo Dilma Rousseff; eu falo de todos os governos, inclusive os militares, que sempre viraram as costas para os problemas das fronteiras!
Eu não faço a menor idéia de onde se compre uma arma ilegal, mas com certeza milhares de pessoas sabem e compram-nas. Uma minoria destes que compram armas no mercado criminoso acredita que estão se municiando de um modo de defesa, o que é errôneo, perigoso e também criminoso. A maior parte compra para promover o morticínio, fazendo proliferar o rancor, a dor, a mágoa entre pessoas e comunidades.
Quem um dia desejar se arriscar a conhecer o Paraguai de Cidade de Leste até Assunção irá percorrer 322 km quase em linha reta e passará por pelo menos seis cidades daquele país. Neste trajeto feito através de uma rodovia relativamente boa os senhores encontrarão cinco patrulhas fixas de polícia e todas lhes pedirão propina para poderem te liberar de alguma acusação. Não se espantem, porque estas propinas são magrinhas; jamais ultrapassa R$ 20,00 e funciona como uma forma de pedágio para nós brasileiros.
Na cidade de Coronel Olviedo, quase no meio do caminho, há a patrulha mais ferrenha de todas elas; no posto da Policia Camiñera você será parado e com certeza os policiais lhe oferecerão, além do pagamento, uma série de oportunidades para comprar arma, drogas ou vender carros roubados; tudo isso a luz do dia e sem nenhum tipo de constrangimento. Em Cidade de Leste não é diferente e às vezes é ainda pior; a polícia municipal ganha uma fortuna todos os dias para achacar qualquer um que não seja paraguaio; isso já aconteceu comigo quando cruzei a fronteira para visitar um amigo deputado, do mesmo partido do Presidente Lugo.
Um policial municipal, me vendo num carro relativamente de luxo e inédito na cidade, porque era um lançamento da marca; mandou-me parar de arma em punho e me disse que eu estava falando ao celular. Notando que eu de fatio não estava e ele inventou que eu não havia usado o cinto de segurança; quando eu redargüi com palavras rígidas e recriminatórias de seu ato e sobre quem eu iria visitar, o guarda pediu-me desculpas, montou em sua moto e foi embora; mas antes de sumir ele ainda esperou que eu entrasse onde eu havia dito que iria!
Meses mais tarde eu precisei marcar uma audiência com políticos da região missioneira do Paraguai; antes de ir mandei correspondência oficial para a Prefeita de Cidade de Leste; para o chefe de justiça e até para o Embaixador em Brasília; lamentavelmente recebi de resposta que se eu estiver portando todos os meus documentos, nenhum policial provocará qualquer situação constrangedora!
Se você pensa que a polícia paraguaia molesta a quem vai comprar uísque falsificado, brinquedo chinês ou cigarros com misturas de insetos; se pensa que eles vão molestar aqueles que compram Viagras falsos ou levam carros roubados daqui, estão enganados! Eles querem dois tipos de pessoas para retirar tudo que puderem; o primeiro grupo é de turistas e o segundo grupo é o dos quem vivem do crime, principalmente os brasileiros que os procuram para trocarem carros roubados por drogas e armas!
Toda fronteira terrestre dos Estados Unidos onde há a iminência de invasão, geralmente há a aduana policiada e em seguida, quilômetros adiante, outra barreira para uma segunda e rigorosa inspeção; ainda assim é impossível conter a febre criminosa que chega do México; imaginem os senhores as nossas fronteiras, que raramente se observa qualquer tipo de inspeção?
As armas do crime brasileiro abastecem São Paulo e o torna o Estado mais violento; as mesmas armas que chegam aqui abastecem o Rio de Janeiro e o torna o Estado mais temido e mais comentado. Mas se os senhores não sabem estas armas também vão para o Nordeste, para o Norte e ficam também no Sul, onde a mortandade só é comentada quando a vítima é famosa ou pelos programas policiais sensacionalistas.
As armas do crime brasileiro não geram ao Estado a preocupação devida; são elas que nutrem a indústria de viaturas; são elas que nutrem a indústria do voto quando o Governo faz concurso para contratar policiais que não ganham nem para comer, mas que se orgulham e batem no peito que são funcionários públicos. As armas do crime do Brasil alimentam muito mais do que bandidos traficantes de drogas; alimentam muito mais do que assaltantes de banco ou ladrões de carros; as armas ilícitas que circulam no Brasil alimentam juízes, promotores, policiais, advogados, padres, prostitutas, pastores e sacristãos, porque são através delas que parte dos planos mirabolantes advindos do Governo e de ONGs são executados para retirarem dinheiro público. Pensando nisso tudo, porque temos que terminar com elas ou impedir que entrem aqui?
Somente quem já teve um parente ou um amigo vitimado por uma arma de fogo para saber ao certo o quanto elas são maléficas; somente quem já recebeu um tiro e não morreu é que sabe a dor e a humilhação de ser vitimado por uma desgraça tão crescente, tão desejada que não para de proliferar e alimentar bandidos, com e sem nome! Eu já tive amigos vitimados por armas; tenho amigos vitimados por revolveres, espingardas, carabinas, fuzis; eu conheci a desgraça que é viver em países onde elas são comuns e como se sente a sociedade que a recrimina! Eu não tenho amigos bandidos, pelo menos que eu saiba; mas tenho amigos que ainda são policiais; poucos, mas tenho...
Poeticamente as armas foram feitas para as autoridades constituídas coibirem a iminência de um acometimento bandido; foram feitas para fortalecerem o usuário e seu oponente respeitá-lo com o temor de perda da vida, mas elas estão sendo utilizadas para ceifar vidas de forma banal; se é que ceifar uma vida humana possa ser o oposto de trivial e ainda assim permanecer compreensível!
Não adianta se criar planos; não adianta serem criadas polícias especiais; não adianta proibirem o comércio de armas se na retaguarda o Legislativo permanecer cego, o Judiciário mudo e o Executivo omisso e lucrativo. A solução é relativamente simples, o problema é convencer alguém do Estado para arranjar outro modo de se corromper...
Este texto é também uma homenagem póstuma à meu amigo, ilibado policial federal, que tanto já passamos juntos, Lucas Aderno Ferreira; morto numa emboscada no Rio de Janeiro, que tanto faz falta aos amigos, aos pais e a Gloriosa Ordem que pertenceu em vida! Q.: I.:
Nestes tantos anos de andanças e experiências, aprendi pouco, mas o suficiente para acreditar que não há filosofia que aborde a publicar a incumbência de um homem unânime. Marchando pela terra ou voltando à poeira, todos os homens permanecem vinculados num só!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editopr da página www.irregular.com.br