A NATUREZA QUE (AINDA) PODEMOS VER...

Sábado passado, logo cedinho, saí para cumprir mais uma missão dentro do programa de formar professores para a prática do ensino infantil. Em frente à minha residência, três pés de árvores dão abrigo aos pássaros que costumam buscar seus galhos para passarem a noite. O gorjear matutino é belo. Cada trinado deve representar, em nossa língua, o bom-dia que damos ao nosso vizinho e o desejo de que, o dia que nasce, seja, para todos, cheio de bons fluídos e profícuas tarefas.

Assim, montado em uma moto – parceira valente dos finais de semana –, tomei o rumo das praias cearenses, passando, antes, pela cidade norte-rio-grandense de Tibau. Confesso que me dói ver no que se transformou um dos lugares mais belos que eu já conheci na minha infância. Infelizmente, esta cidade se transformou num amontoado de casas – e umas sobre as outras –, onde cada palmo de chão nativo é disputado de forma desordenada, sem um planejamento correto; onde cada um vai levantando o seu patrimônio sem se preocupar com o bem-estar do seu vizinho ou da comunidade onde está inserido. Lembro-me do que dizia o jornalista Canindé Queiróz (GAZETA DO OESTE), na sua coluna diária (Penso, logo...), quando escrevia sobre o veraneio dos mossoroenses. Era como um prenúncio do que se transformaria a cidade, já, naquela época, sem a infraestrutura necessária para receber tantos visitantes.

“Pelejei”, no entanto – saudosista que sou –, para ver as dunas que serviam, antigamente, de proteção para a cidade, e que tinham, como atrativo maior, a variedade de suas cores, pois eram, quando embaladas em recipientes de vidro, vendidas como souvenirs para os visitantes. Infelizmente, não as vi mais... Talvez até ainda restem algumas, escondidas em algum cantinho da mata, longe dos olhares e das armações de ferro, tijolos e cimento de suas construções.

Ainda bem que, para ir para o meu destino final, tive que entrar à esquerda do entroncamento que dá acesso à praia das Emanuelas. Desta forma, “peguei” o caminho de Melancias (do alto e de baixo), depois Ibicuítaba, até chegar à praia de Barreiras, na cidade de Icapuí. O dia estava perfeito para que eu apreciasse a paisagem à minha volta, à medida que ía avançando para o meu destino.

Margeando o litoral, sempre com uma visão privilegiada do oceano, ía mergulhado numa reflexão para tentar entender tanta beleza junta, deixada naquele pedaço de paraíso. A mão do Criador se fazia presente nas dunas, quase que ainda virgens (essas do lado cearense), na faixa de coqueirais gigantes que isola a vida terrestre da vida marinha, nos lagos naturais de água salgada misturadas às águas doces dos rios formados pelas chuvas torrenciais e, aqui e acolá, era acompanhado pelas gaivotas que faziam seus voos matinais em busca de comida.

O homem, no entanto, já pôs a sua mão neste pedaço da natureza e, com o pretexto de trazer progresso, já “enfeou” uma boa parte deste paraíso, construindo suas casas de veraneio, seus bares com músicas estridentes – que espantam as garças de seus ninhos e trazem a violência, na maioria das vezes. O homem também já fez suas pousadas e restaurantes, para receber os turistas dos quatro cantos do mundo e até já asfaltou a faixa de terra que liga uma localidade a outra.

Os que aqui chegam – vindos dos quatro cantos do mundo –, vêm em busca daquilo que eles já não têm mais. E, com isso, eles trazem, de fato, o progresso para a região, pois o seu dinheiro ajuda a circular os bens de consumo, a troca de mercadorias, e a ofertar melhores condições de vida material, para os nativos da região, mas levam, daqui, o que ainda resta de conscientização ambiental, trocando-a por algo nocivo chamado de “ambição pelo ter”.

Por isso, o homem que traz esse progresso, traz, também, uma nova geografia da natureza e, com isso, a destruição da mata nativa, dos seus manguezais, das suas dunas, da floresta subaquática e dos recifes de corais da região. Mas, nós somos privilegiados porque ainda podemos ver, se não toda, mas uma boa parte da mãe natureza ainda se doando aos seus filhos – alguns bons, outros nem tanto e uma grande maioria deles, infelizmente, mercantis demais.

Assim, passando por lugares inspiradores, capazes de suscitar, no mais incrédulo dos mortais, a convicção íntima de que Deus, de fato, existe; de colocar nos devaneios do poeta a mais linda poesia de sua existência; de, finalmente, aperceber-se que a responsabilidade é de todos e não só das autoridades constituídas – para tentar salvar o que ainda nos resta de patrimônio natural –, eu cheguei à localidade de Barreiras, uma das praias da cidade de Icapuí/CE. A comunidade existente já se vê misturada em suas atividades. Os que ainda permanecem na pesca são facilmente identificáveis; aqueles que optaram por explorar o turismo ou as coisas do mundo, também o são.

E foi aí, nesta comunidade, que eu pude ver o que estão fazendo, de fato, para mudar a realidade, a triste realidade do progresso predatório. Na localidade de Requenguela, o Projeto “De Olho na Água” trouxe, para as 200 famílias desta comunidade pesqueira, soluções para a escassez do líquido, nas duas pontas do problema: de um lado garantiu a segurança do suprimento de água potável – instalando sistemas completos de captação e armazenamento de água da chuva; do outro lado, o projeto construiu sistemas de tratamento biológico dos afluentes domésticos – garantindo que a água utilizada não polua o lençol freático.

Por fim, o dia de estudo, em meio ao clima de despedida do programa – que acaba este mês, depois de dois anos de formação – e a certeza de que temos, em nossas mãos, o futuro dos homens do nosso país. Basta-nos, então, como educadores que somos, ensinar-lhes, desde já, a conviver em harmonia com a natureza que tanto nos dá...



Obs. Mirante de Icapuí/CE


Passarela sobre o mangue na localidade de "Requenguela"



Final da passarela (já dentro do mar)



Realização de oficinas









 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 19/06/2011
Reeditado em 18/04/2019
Código do texto: T3044151
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