É O FIM (OU NÃO) - CRÔNICAS HISTÓRICAS

Olhando daqui tudo parece muito normal. Lá fora os carros cruzam as ruas e as pessoas andam de um lado para outro, num ritmo frenético que marca a existência dessa sociedade industrializante. Essa cidade começa a pulsar como um coração jovem, bombeando sempre a todo vapor, fazendo a vida jorrar em toda sua essência e sabedoria.

Pela janela aberta sinto o frescor que vem do mar. É uma carícia solidária, mas que me atormenta a alma ferida e inanimada. Por um instante respirava essa brisa suave que parece trazer um alívio momentâneo e uma paz que não consegui durante a vida. São como afagos de um amor que se despede, tocando suavemente e deixando a impressão impregnada em cada um de meus poros, inebriando em mim a sensação de alívio para um coração ofegante e ainda indeciso.

Uma tempestade desaba sobre minha cabeça. São os trovões dos novos tempos que vão iniciar um novo momento na vida desta nação que amei. O poder agora me parece um monstro vindo em minha direção, como a me consumir por inteiro. Eu não o temi nunca e ele sempre esteve do meu lado, como que atraído por uma força incapaz de retraí-lo , tão integrado ao meu ser. Por um instante recordo erros e acertos e revelo-me a mim mesmo como uma alma complexa e confusa, ora bom, ora estranho aos meus costumes, num paradoxo existencial comum aos homens e mulheres que assumem grandes poderes como o de presidir uma nação gigantesca e diversa como o Brasil. Preciso desta última reflexão, para decidir meus rumos de agora em diante.

Posso ouvir a euforia das paradas militares a me aclamarem, e as pessoas a me darem apoio incondicional. Parece que vejo como num filme, as crianças saudarem-me como o velhinho amável. Tenho dificuldade de compreender o ódio com que sou julgado pelos que me odeiam. Inúmeros são os objetivos a mim impostos pelos meus inimigos. Mas tenho orgulho de minha vida.

Relembro a infância e os desafios tantos que a vida sempre me impôs. Chegar a conduzir este país não foi uma tarefa fácil nunca, e não o esta sendo agora. Não foi tão simples, para agora me entregar assim, sem resistência alguma. Enfrentei soldados e batalhas, tropas e inimigos muitas vezes invisíveis a olho nu, mas que corroeram as veias do poder a mim consagrado. Minha coragem e ousadia enfrentaram até mesmo revoluções, internas e externas que por mim foram superadas. Cheguei ao poder por caminhos vários, perdendo companheiros pela estrada e encontrando outros a me seguir caminho adiante. A vida foi generosa comigo e com os amigos. Estivemos juntos por longos tempos e períodos extensos.

A brisa refrescante do mar me traz de volta o frescor das vitórias conquistadas com tanto suor e lágrimas. Conquistas na bravura ou na tranquilidade do jeitinho gaúcho de convencer aqueles que em tudo desacreditam. O mar, sempre distante de minha infância perdida no tempo, é agora a carícia que recebo neste momento final. Sinto cada cheiro perspassando por entre meus sentidos mais íntimos e como que a inebriar minha alma de um frescor e alívio tão esperados. Fui aprendendo com o tempo a ser menos rude e a conquistar o apoio do povo desse país.

No horizonte posso ver chaminés desenvolvendo progressos e a alucinação da modernidade avançando a passos rápidos em direção a um futuro de glória e de superação de obstáculos até bem pouco tempo atrás ditos intransponíveis. Não houve barreira que eu não superasse. Petróleo jorra do chão desta nação abençoada, injetando esperança de um tempo melhor para toda essa gente trabalhadora, hoje tão protegida pelas leis que mudaram a vida de milhares. Roubam de mim a oportunidade de continuar fazendo desta nação um espetáculo de prosperidade para seu povo que não tinha antes espaço algum. Há sempre os que conspiram contra os interesses de toda uma coletividade.

Escuto ao longe o som daquele tiro, naquela noite fatídica de agosto. Aquele tiro atingiu em cheio o meu peito desprotegido, como a um alvo a ser acertado, cujo prêmio sou eu bem longe destas salas. Foi um tiro certeiro e que agora me querem distante dos sonhos e das conquistas tantas, e de outras tantas que estão por vir. Não conheci a derrota e não será agora que conhecerei tão vil inimigo. Getúlio Dorneles Vargas não vai se entregar assim tão fácil aos inimigos conquistados. Saio da uma reunião de cabeça erguida, e não aceito afastar-me por causa de uma morte e uma culpa que não me pertence. Jamais conheci derrota e lutaria sempre pelo meu Brasil, mesmo que para isso eu tivesse que pegar em armas, como quando jovem, ofereci-me para um conflito iminente com a Bolívia. O idealismo da juventude ainda me persegue e esta presente em cada parte do meu corpo e da minha alma.

Parece que ainda ouço as bombas da grande guerra a explodir ditaduras e a inaugurar mundos novos, talvez incompreensíveis para um homem como eu. Talvez eu não tenha mais espaço nesse mundo. É meu fim, como também o é para os homens incompreendidos e que não compreendem mais seu mundo pelo qual tanto lutaram. É o fim de inúmeras circunstâncias e modos de vida, que não mais se encaixam no mundo inaugurado pela modernidade avassaladora e inevitável. Cada homem tem seu tempo, e alguns passam mais rápido do que a própria vida pode acompanhar. Mas não será o meu fim eterno. Ficarei na memória do povo que amei e por quem dediquei minha vida. A história, a mais sábia das conselheiras saberá levar meu nome para a posteridade do Brasil e o selará para sempre nos livros e na memória do povo.

Num último momento ainda olho a rua que continua acelerada. Em minhas mãos que a tantas leis assinaram e que a tantas vidas mudaram, encontra-se a solução para os problemas que me afligem. É um peso esta arma. Nesses minutos finais em que minha vida passa por mim como a me cobrar uma resposta, eu ainda indeciso ouço o barulho dos que saem da reunião que selou meu destino. Titubeio instantes mínimos porém infinitos. O que fazer? Meu Deus, salvai-me da minha loucura sã, da minha insanidade sincera. Paro de pensar, levanto a arma e levo-a à minha cabeça. Que Deus guarde minha alma, porque minha vida a história guardará...

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 18/06/2011
Reeditado em 20/06/2011
Código do texto: T3043610
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