Onde estão as rainhas da noite?
Quase três da madrugada e os gatunos da cidade a espreita da noite, em vão enluarada, para todas as patricinhas fadas que dormem com perfume de jasmim. No silêncio, a sintonia e as misturas dos riscos, sabores – talvez de vodka – e dos remates de incerteza se vai rolar mais uma noite de sexo ou se tudo findará na fantasia trivial das musiquetas de barzinho.
Os baixos sons dos filmes e os ouvidos piados e cansados das batucadas vão se disseminando como uma praga que contamina tudo e todas as idades. A polícia está na rua – todos sentiram forte desejo de lançar garrafas pelas janelas dos carros para atacar o sistema frágil, falho, corrupto e falso moralista.
As rainhas da noite estão bêbadas e contam piadas sobre suas vidas reais, traduzindo em escárnio os seus decotes encobertos pelo espírito dos bons costumes. Este – risos – virou alguma criatura falante e suplicante que perambulava entre diamantes, serpentes, pedaços de estrelas e tudo que a fantasia brotou de sua noite de porre. O espírito do amor ficou tonto no ar e voou em todas as direções.
Ainda tinha Zé Barnabé – seu “cumpadi”, enrolado, embromado e todo errado, sem saber o destino espacial ou cósmico da atmosfera de sua embriaguez. Na verdade, todos estavam felizes e contavam anedotas como se fosse a última vez. Ninguém ia trabalhar no outro dia. Pelo menos, não sério, pois as desculpas eram tantas: tropecei num sapo que virou um príncipe em crise existencial, ou talvez, encontrei uma mala com “trocentos” milhões de dólares e vou ter que devolver ao dono da fábrica de drogas lícitas – os cigarros e os milk shakes de whisky que fizeram meu amigo bater a cabeça na ponta de um hidrante.
Séria? Que nada. A noite esconde tudo. Essa noite é toda enrolada, por isso é toda “escurada,” escurecida e abençoada por nossa senhora de... Eita, que ficou todo mundo lascado, enjoado com uma panqueca de carne de sol que alguns comeram ao som de uma música brega dessa cantora nova. Como é mesmo nome? Sei lá – é uma cantora de voz estridente que deu pra cantar música breganeja e a gente tem que morrer de ouvir o DVD quando vai a algum barzinho aqui. Quase que fiquei bom da ressaca, mas as músicas dessa moça me deram náusea de novo. Salve Cidinha e coloca Bobbi Dyylan*, pelo amor de Deus.
Os gatunos voltaram a gritar. Acho que são noturnos e procuram coisas soltas por aí. Geralmente, quando chego em casa, ouço um ritmo distante de uma garota que imita a dançarina de um filme famoso e dá gritos toda vez que acerta o passo. E eu dou gritos toda vez que estou “começando a conseguir” dormir. Alguns amigos me acordaram para entregar a cópia de uma chave que esqueci em algum carro. Que saco. Vou ter que sair e na verdade – surpresa – queremos a chave de abrir garrafa para despregar a tampa da última cerveja que recebemos de brinde do dono do bar.
Seus malucos – quero antiácido e um “antiamigos” bêbados que batem na casa da gente às quatro horas da manhã. Entrem. Puxem a porta devagar que Alfred fez cirurgia para diminuir as orelhas e precisa dormir. Alfred é meu gatuno.
Zé Barnabé também veio. Puxa – achei que ele estava bem até perguntar se estava em Marte àquela hora da madrugada. Alguém pediu Milk shake, mas tinha acabado a vodka, o gim e o rum. Na verdade nada de rum, nem de bom, tudo de ruim mesmo. Todos estavam muito cansados e, ainda bem, sem forças para abrirem a última garrafa de cerveja, que aquela altura do campeonato, já estava mais quente que o meu cobertor, antes dessa intragável visita.
Onde estão as rainhas da noite? Alguém disse que viraram serpentes quando a noite ficou mais cheia de neblina. Agora só restavam sapos. Preocupado, estava mais imbricado que teria a sensação de que o dia anterior continuava em sua pior parte. Ressaltados, todos, estavam mesmo mortos de sono e procuravam coisas na geladeira. Acharam queijo vencido, salsichas empacotadas e uma lata de ervilha que não sei como tinha parado ali. No aniversário de um deles fizemos cachorro-quente e, provavelmente, algum exemplar de muquirana, tinha deixado ali depois de encontrar na promoção de menos de cinquenta centavos.
Quase cinco da madruga e, ainda, muita incerteza. De certo, evocava a coragem de mandar todos embora, mas minha consciência pobre fez valer a comiseração. Que droga. Larguem a geladeira ou apenas fechem a porta, pois a conta de luz aumenta e os cupidos fogem. Alguma menina, que conheci algum dia, disse que os cupidos do século XXI ficam na geladeira, pois não tem mais função, uma vez que perderam a fórmula do amor para as drogas e para os concorrentes com maiores teores alcoólicos. A rainha da vez era a garrafa de JJosé CCuervo* encontrada por Zé Barnabé, que de bobo não tinha nada. Estava conspirando contra mim. Vamos brindar, ele disse.
Brindar o que “homi”? Estou morto de sono e tenho que ir pro curso de português, pois terei aula sobre sujeito indeterminado, ou seria oculto? Opa, cadê todo mundo? Quase cinco e meia, e a cama não parava de rodar. Uma garrafa foi a companheira de diversão de alguns sonhos. E onde estão mesmo todos?
Os gatunos se aquietaram. E a menina que dança? Parou de gritar. E onde está Zé Barnabé? Estava lá esparramado, com um longo sorriso no rosto. Ao seu lado, mais uns dois amigos pra lá e outros três pra cá. E outro, pra lá de Bagdá. Todos beijaram as rãs para encontrarem alguma princesa na noite de sexta-feira em plena geração “ficar”.
O problema foram as rãs, as princesinhas também “tocam o horror” e não importa a dosagem do mal, apenas a dosagem de uma noite de balada na cidade de Brasília. Gatunos e princesas encontram-se aos milhares. Os embates geram beijos e duelos de sexo no tardar da madrugada. E quando nada disso acontece ou se nada disso você experimentar, segure bem sua chave para ninguém espantar seus cupidos ou comer aquela lata de ervilha esquecida na sua geladeira.
*A grafia dos nomes próprios presentes neste texto foi alterada propositadamente para tornarem-se fictícios.