In loco
Uma luz meio azul-escuro pendia do céu denso, parecendo cenário de sonho sonhado em noite escura. No horizonte tênue espalhavam-se muitos paus de tamanhos diversos: grandes, pequenos, enfolhando, pelados, tortos, envergados, hirtos como fosse uma caatinga de seca verde, daquelas meio vivas, meio mortas... Poder-se-ia dizer um Parque Desecológico, um parque indiferente ao Verde Azul, infringente às áreas de proteção permanente.
Eis que se encontrava trepado, no copado de um pau groso e imenso, o curioso que narrou o seguinte.
Foi visto espreitado numa moita frondosa, o bigodão preto, preto-azul feito graúna e espesso como a mata que esconde lobo mau. Os dentes grandes e ameaçadores bailavam atrás dos fios negros. A língua vermelha, grande, larga como uma espátula, roçava os beiços roxos, libidinosos e inebriados de desejo. O olhar se atirava libidinoso para o outro lado do lago. Olhos vidrados, olhos de relaxação, apontados para quem? Para a donzeleta!
No outro lado do lago apontava, como quem nada quer, saltitante, tranças longas para o norte e para sul, uma donzeleta – descalça, pueril, cabeça no mundo da lua cheia. Era ela, a donzeleta, o objeto do desejo do bigodão preto de graúna! Ouviu-se o diálogo abaixo:
- Ei, vem cá...
- Pra quê?
- Pra tu pegar nas minha coisa...
- Ah, quero não...
- Só uma pegadinha...
-Vou não...
-Uma acarinhadinha só...
-Mamãe não deixa não...
-É só uma amassadinha, como se fosse fazer massa de pão...
-Meu pai não deixa não.
-Ele não vai saber. Vem, bobinha, pega, alisa, amassa... Olha como tá; é todo teu. Te dou um dinheiro.
- Tu vai babar eu.
-Babo não... Se eu babar tu ‘tibum’ na água. Vêm!
- As piranhas me morde eu tudo...
-Morde não; são solidária.
-São o quê?...
- Banguelas, sem dente...
-É?...
-É.
- Tu dá um dinheirin a eu?
- Ô...
O narrador acordou repentinamente com o latido espalhafatoso de Teca e Capitão. Não deixaram se conhecer o final da história. Mas ambos foram severamente repreendidos: ’Venham deitar, vira-latas insolentes!’