Muito Importante

Muito Importante







 

Talvez você não se veja exatamente como a pessoa mais importante do mundo. Na verdade, o que você está tentando dizer é que, num determinado ponto focal da sua trajetória você teve o sincero amor de um pequeno número de pessoas. Depois isso passou. Camus dizia que a coisa mais próxima do paraíso que o homem vai encontrar nesta terra repousa no abraço da mulher amada. Cada um digere a importância a seu modo. Veja o caso da ilha de Chipre. Foi conquistada pelos fenícios, assírios, persas, macedônios, gregos, romanos, bizantinos e turcos. Por fim (e por enquanto), o império britânico comprou Chipre para os turcos. Repare como as importâncias mudam de mãos. Para aquela mulher ali sentada a coisa mais importante nesse momento é distinguir a tempo se o ônibus azul e branco que vem vindo é o Vila Natal ou não. Existem outros ônibus da mesma cor. Se ela demora para sinalizar ele passa batido. Ao lado dela há um jovem preocupadíssimo com as vitaminas para músculos que adquiriu recentemente. Ele vai pegar outra condução. Alheios um para o outro, estão apenas no mesmo ponto. Talvez você não se identifique com eles, talvez você sinta saudades de coisas que um dia tiveram importância. E por mais que você queira bradar o seu dissabor corre o risco de terminar se calando, em virtude do velho ditado: quanto mais corajoso o pássaro, mais gordo o gato. Ditados já foram importantes, tiveram a justa serventia no seu tempo. “O caráter de um homem é o seu destino”, eis um deles. Assim como os ovos são cruciais para a galinha, o escritor suspira de um lado para a verve, de outro o público o inquieta. É o momento em que as importâncias andam aos pares. Logo após a Segunda Guerra um grupo de partisans explodiu um navio repleto de judeus, oriundos de Hamburgo e com destino a Palestina. Duzentas e quarenta e seis vidas foram sacrificadas para um que um ponto de vista fosse provado ao Conselho das Nações Unidas. Os partisans não pensaram que, para os passageiros, era importante chegar à Palestina. Mesmo utilizando a mais moderna calculadora ninguém, em parte alguma, conseguirá atinar sequer uma estimativa aproximada sobre o gasto de energia das criaturas todas com questões triviais. E o custo disso é sempre o mesmo: vidas. A última capa de Veja de janeiro de 1982 mostrava um cadáver sobre um pneu queimado, na Baixada Fluminense. Você acha que a sua importância tem qualquer significado sobre os fatos descritos acima? Poderíamos chamá-los de situações emblemáticas que se repetem como vírus por toda a parte, desde o marco zero até agora? E onde você se encontra, dentro do mosaico? Vamos lá meu camarada, ânimo, se você, nos seus enfadonhos lamentos, carências, fraquezas, caraminholas, ainda não conseguiu entender que seu tamanho é menor do que uma cabeça de alfinete nesta vastidão intraduzível e que absolutamente cacarejo algum da sua parte vai alterar, seja o curso das coisas, seja sua própria sorte, não está na hora de rever o tamanho da régua que julgas servir de norte aos seus propósitos?

 

Bem, pelo menos concordamos nalguma coisa, descontando o fato de que as únicas águas passadas que ainda movem moinhos são os pensamentos. Inútil negar que lá atrás, alguém chamado Aristófanes formulou um raciocínio que serviu de grande monta a educadores futuros, só não sabemos se servirá aos educadores futuros a partir de hoje: “A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, mas a estupidez dura para sempre”.



(Imagem: Ed Ruscha)

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/06/2011
Reeditado em 25/10/2021
Código do texto: T3041071
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