A Lanchonete do Ronei

 

 

                               Já contei há muito tempo que costumo tomar alguns cafezinhos na lanchonete do meu amigo Ronei. A lanchonete é e sempre foi a mais frequentada  de Miracema, situada na famosa rua Direita, bem no centro da cidade.

                               E a frequência é eclética, encontramos por lá desde o jovem até os chamados mais velhos. Hoje, mesmo, apareceu o Nivaldão, com oitenta e lá vai fumaça.  O motorista número um do Brasil, sessenta  anos de carteira, sem um multa sequer.  É até normal encontrarmos alguns que já passaram dos noventa. Só pra citar um deles, lembro logo do Beethoven, com apenas 97 anos. É mole? Lá na casa dele todos os irmãos têm nome de músicos famosos. Mozart,  Liszt, Chopin e outros menos afamados.

                               Quem me  estiver lendo nesse momento vai pensar: - lá vem essa cara de novo com as novidades dele. Deve ser mentira, ou então essa cidade é das Arábias!.  E eu, candidamente, direi que acertaram: - A cidade é realmente das Arábias, no bom sentido.  A população de libaneses é enorme. Praticamente todas as famílias por aqui têm pelo menos um descendente de  libanês ou libanesa. E não quero nem falar nos italianos, colônia imensa.

                               Mas já estou me desviando do assunto principal que quero comentar com meus amigos leitores.

                               É o seguinte: o melhor mecânico de automóveis da cidade, o Roque, tremendo gozador, espalhou na cidade que o Ronei está fazendo um “marketing” para atrair mais fregueses para o seu estabelecimento. Assim, além de mim,  o Dedé,  consagrado  comerciante da cidade vizinha de Pádua, o Fernando, mais conhecido como “fera”, que vem despontando como o melhor Contador da nova geração, o poeta Carlos Rubens, exímio artesão de móveis rústicos, e o nosso conhecidíssimo e excelente médico Dr. Carlos Sergio Barbuto só frequentamos a lanchonete, tomando o nosso cafezinho diário, lá pelas sete da matina, cortesia da casa, com o intuito de  aumentar a freguesia  do Ronei.

                               E não é nada disso, pelo amor de Deus! As cidades pequenas, interioranas desse nosso Brasil, ainda conservam aquele clima romântico dos velhos tempos que não voltam mais.

                               As coisas por aqui andam devagar. A amizade, esta entidade diáfana, perdida no tempo, ainda permanece viva na alma do povão do interior.

                               Por culpa dessa fatídica globalização, o Roque, o denunciante, tomou conhecimento de que nas grandes cidades os donos das casas comerciais fazem esse tal de marketing. E eu desconfio que ele anda lendo antigas crônicas do Nelson Rodrigues e aprendeu essas “jogadas” nessas leituras.
                                   Para quem não se lembra, vou contar o que ele leu do Nelson. Lá pelos idos de 50/60 do século passado existiam bares e restaurantes  famosos no Rio de Janeiro. Vou citar alguns para  refrescar a memória dos mais velhos: Nino’s, Antonio’s , Sacha’s, Le bec fin. Nem sei se esses nomes tão antigos estão certos, mas vá lá.
                                 Pois bem: vou resumir ao máximo o conto do Nelson. Dizia ele que não entendia o porquê de certo bar ou restaurante, não mais que de repente tornar-se famosíssimo. Ninguém falava outra coisa senão naquele determinado restaurante e a frequência  aumentava exageradamente. Num desses restaurantes, o nosso Nelson vai com um amigo. Lá pelas tantas, aparece um casal, senta-se numa mesa e o garçon vem logo com uma bandejinha de azeitonas e rabanetes. Quatro horas se passam e  o casal continuava roendo as azeitonas, já gastas. Ora, esse fato inusitado chamou a atenção do Nelson, que passou a vigiar o casal. O homem não parava de olhar o caixa do restaurante. Nada mais foi servido ao casal.                             Em certo momento, segundo o Nelson, a mulher diz para o rapaz: “Vai”. O rapaz levanta-se e vai ao Caixa e recebe um envelope. O Nelson tomou um susto e perguntou ao seu amigo: O que foi isso? Não estou entendendo nada. O amigo do Nelson, calmamente, revela o mistério: “fica calmo, o cara está recebendo o seu cachê. Isso mesmo, amigos, o casal estava ali para atrair fregueses .

                               A minha preocupação é que essa história de “marketing” na lanchonete  possa vazar e chegar aos ouvidos dos meus amigos e amigas de São Paulo, Minas, Brasília, Rio Grande do Sul, Rio,  e até mesmo do Amazonas . Quero avisar que isso não é verdade. O Ronei, para usar um termo atual, é um parceiro à moda antiga, não tem essa de cachê com ele.

                               Aliás, para terminar, o sucesso da lanchonete   é exatamente o clima de intensa e familiar amizade  entre todos os frequentadores. O que ainda existe, felizmente, pelo interior afora do nosso Brasil.