INIMIGOS...
Dia desses, conversando com uma pessoa que estava passando por dificuldades emocionais, pude captar no seu relato que sua dor era causada pelo ódio entranhado que demonstrava possuir.
Indagando o porquê daquilo tudo ela me disse que destilava ódio contra alguém que, segundo ela, lhe causara um grande dissabor. E que movimentava todos os meios no afã de conseguir se desforçar.
Eu lhe disse que todo aquele rancor, aquele sentimento animoso iria destruir sua saúde,a ponto de desenvolver até um câncer fulminante, acabar com sua vida e incomodar os que a rodeavam.
Comecei a lhe falar do quanto o ódio é puro veneno que corrói quem o mantém.
Falei-lhe do Dalai-Lama que é um dos maiores defensores atuais da teoria da não violência, da não reação, mas da ação, e tem ensinado mundo afora a transformarmos nossa atitude com relação aos inimigos.
E disse-lhe que ele diz ser compreensível não se desejar nada de bom para nossos inimigos. No entanto, mesmo que por meio dos nossos atos tornemos nosso inimigo infeliz, em que isso deveria nos alegrar tanto?
Que ela refletisse com atenção, como pode haver algo mais desgraçado do que essa atitude? Carregar por aí o pesado fardo de semelhantes sentimentos de hostilidade e má vontade. E será que realmente ela queria ser tão mesquinha?
Narrei-lhe que ensina o Dalai-Lama:
"Se nos vingarmos dos nossos inimigos, isso gera um círculo vicioso. Se retaliarmos, a outra pessoa não vai aceitar isso. Ela vai se desforrar de nós, nós agiremos da mesma forma e assim por diante. É algo que rolará na esteira do tempo.
E em especial, quando isso acontece no nível das comunidades, pode passar duma geração para a outra. O resultado é que os dois lados sofrem. Desse modo, todo o objetivo da vida é prejudicado.
É uma atitude que se instala desde a infância. É muito triste. Por isso, a raiva ou ódio é como o anzol de um pescador. É importantíssimo que nos certifiquemos de não ser fisgados por esse anzol”.
Disse-lhe que podemos dispor de uma forma alternativa de encarar o inimigo, uma nova perspectiva que poderia ter um impacto revolucionário na nossa vida. Ela arregalou os olhos e indagou qual seria essa forma.
Comentei que, no budismo, em geral, presta-se muita atenção às nossas atitudes diante dos nossos rivais ou inimigos. Isso porque o ódio pode ser o maior obstáculo ao desenvolvimento da compaixão e da felicidade. Se pudermos aprender a desenvolver a paciência e a tolerância para com nossos inimigos, tudo o mais passa a ser muito mais fácil. Nossa compaixão por todos os outros seres começa afluir naturalmente.
Depois de tudo que ouviu ela ainda disse que para quem estava de fora era fácil falar e conclui dizendo que desejava ver quando o problema fosse nosso.
Comentei ainda com essa pobre criatura que, da mesma forma, eu tinha passado, tempos atrás, por uma animosidade gratuita de certa pessoa que me gerou incômodos e dores acerbas, mas que, embasado no conhecimento adquirido compreendi que eu é que estava ganhando com tudo aquilo, primeiro, pela depuração do sentimento, segundo, pela prática da compaixão eu como que criava ao meu redor uma espécie de escudo protetor e nada que partisse em minha direção me atingiu além do impacto inicial.
A pessoa surpresa me indagou como é que era esse negócio de depurar o sentimento.
Eu afirmei que, normalmente quando nada nos incomoda tudo está a mil maravilhas, costumamos manter uma atitude mais descontraída com relação à vida. Não nos incomoda o sofrimento alheio. Se algo não vai bem com o país, com a cidade, damos de ombros, afinal, não nos falta nada.
Até com relação à própria Natureza que nos rodeia, e essa a atitude dos destruidores do meio ambiente que, somente no dia que não tiverem água para beber, ar para respirar, etc., irão pensar, com sentimento elevado, em cuidar do planeta em que vivem.
Aquela sofrida criatura, após ouvir tudo isso fez uma cara reticente e disse que iria pensar... Levantou-se e saiu.
Eu fiquei a matutar nos paradoxos da alma humana e pelo que já aprendi, concluí que, para quem pratica a espiritualidade, nossos inimigos desempenham um papel crucial.
A meu ver, a compaixão é a essência da vida espiritual.
Como disse o Divino Mestre: “Ouça quem tem ouvidos de ouvir e veja quem tem olhos de ver”...