Célula Cidadã
(Resposta a um PPS recebido de minha irmã)
Nancy:
Esse fim-de-semana fui a Campos do Jordão e observei que o pelo do cavalo de lá é mais alongado e felpudo que o do cavalo daqui (Rio) ou de Maricá, lugar que habitualmente visito. Parece que a mãe Natureza determina essa alteração natural na própria natureza biológica do animal.
Ao passar pela rua Guapuí, no Lins de Vasconcelos, onde fomos criados, notei que um portão em grade de ferro impedia o acesso a estranhos ou a pessoas não residentes no logradouro. Assim como cercas eletrificadas exibiam os muros de algumas casas da rua Hermengarda, no trecho de esquina com a Guapuí. Preocupações evidentes com o problema da insegurança, que hoje alcança qualquer área da cidade.
Aliás foi a insegurança que determinou praticamente a degradação dos chamados subúrbios da Central, onde às 20h as pessoas já se acham recolhidas aos seus lares em grande maioria. E essa insegurança origina-se basicamente no tráfico de drogas, responsável, em última análise, pelos assaltos em ônibus, pelos roubos de carros, pelos assaltos a residências, bancos, a pessoas saindo de bancos, etc. A Tijuca e localidades da chamada Zona Sul também não se acham livres desse tipo de ocorrência.
De 1960 para cá, para não irmos mais longe, o carioca observou significativas alterações no seu modo de vida, no seu ir-e-vir cotidiano. Antes subíamos um morro ou ingressávamos em uma rua sem que fosse preciso autorização. Hoje nem sempre isso é possível. E não foram as pessoas, ou nós, os cariocas, que permitimos que isso acontecesse. Sabemos que o tráfico de drogas é de significativa importância para a chamada “banda podre” da polícia, ou de maus policiais, como até para elementos do judiciário. (Leio no Globo de hoje que a noiva do ex-goleiro Bruno, do Flamengo, acusa juíza de ter pedido R$ 1,5 milhão para soltá-lo.) E muitos desses maus policiais, assim como elementos do judiciário, são nomeados por chefes do executivo, normalmente escolhidos a partir da equipe montada pelo prefeito ou pelo governador ou pelo Presidente da República, dependendo da área de atuação.
O que quero dizer é que o povo caminha ou reage segundo o que lhe é oferecido ou ensinado. Segundo o exemplo que ficou. Se as pessoas fraudam o Imposto de Renda é muito porque o imposto em nosso país atinge índices alarmantes, sendo muito pouco o que recebemos em troca (estradas ou logradouros mal conservados ou tarifas de pedágio exorbitantes, escolas que não ensinam, hospitais desaparelhados em que a morte na fila para atendimentos é uma constante, transporte de massa inexistente, etc.). As pessoas sentem-se roubadas e reagem da mesma maneira. Aliás, de 60 para cá é de se notar a elevada competência da Receita Federal no desenvolvimento de mecanismos que impeçam a fraude na Declaração de Rendimentos. Por que não observamos a mesma competência quando se trata do estabelecimento de percentuais mais justos que incidam sobre os rendimentos (e não a renda) dos contribuintes?
É comum observarmos na família de um médico, filhos doutores; na família de um ator, filhos atores; e até (e como) na família de um político, filhos políticos. Na fração menor de uma comunidade, na sua célula cidadã, os filhos tendem a acompanhar os passos de seus pais.
Por isso acho estranho que João Ubaldo, do alto da sua condição de um dos maiores escritores brasileiros atuais, não tenha levado em conta o fato de que necessitamos na verdade de lideranças que possam permanecer imunes ao que de injusto, desonesto ou inadequado lhes tenha sido ensinado.