A íra do Touro "Minino"
A ÍRA DO TOURO “MININO”*
Era uma vez um bezerro
Um bezerro que tinha um dono
Um dono que tinha filhos
Filhos que brincavam montados no bezerro.
Subiam nele, batiam, puxavam as orelhas...
Cresceram juntos: bezerro e crianças
O dono o chamava “minino”
Do mesmo modo que chamava os filhos
Os filhos cresceram e se fizeram rapazes
O bezerro tornou-se garrote, depois, touro.
O bezerro vivia pelos terreiros, mas entrava também na casa
E parecia gostar quando os meninos menores subiam nele.
— É manso feito uma besta — dizia o dono, sempre que alguém sugeria ser perigoso confiar tanto num bicho “bruto” como aquele.
— É manso, cresceu com eles, nem sabe que é bicho — dizia o dono, com ar de orgulho do touro, mais até que dos filhos.
A mãe discordava, querendo que o touro deixasse de transitar na casa
— Esse boi tem que ficar no pasto, não andando pela casa — reclamava.
— Qual nada, deixa o “minino” em paz — retrucava o marido.
Um dia, porém, o touro amanheceu diferente: ficou deitado no terreiro, no local onde dormiu; de lá não se levantou...
Por mais que o garoto menor lhe puxasse as orelhas, desse palmadas, oferecesse as folhas de couve com o farelo de milho que o touro tanto gostava.
Nada o fez levantar-se, nem mesmo o sol escaldante do final da manhã.
Pelo meio dia, quando os rapazes chegaram com o pai, o touro continuava deitado, imóvel, parecendo não ouvir o alarido dos cães e do papagaio que se agitavam com o movimento da casa, com a chegada dos que vinham da roça.
Como impedisse a passagem da carroça puxada pelo outro touro, o dono foi até ele e deu-lhe algumas palmadas:
— Sai da frente “minino”.
Mas nada. Ele nem se moveu.
O dono, então, pegou uma ponta de corda que amarrava a carga na carroça e, dobrando-a, deu três batidas nas costas do touro, dizendo:
— Vamo, “minino”, não atrapalha o caminho!
Inesperadamente, o touro balançou a cabeça, colocou-se de pé e avançou sobre o dono, dando-lhe uma cabeçada que o arremessou sobre os paus da carroça.
A violência do impacto fora tamanha que o homem caiu, desmaiado, enquanto o touro, agora visivelmente enfurecido, o pisoteava.
Os rapazes, atônitos e paralisados, assistiam a tudo... Só o mais moço saiu em socorro do pai, gritando, aflito:
— Deixa papai, “minino”, deixa...
Mas, nada, o touro continuou a pisoteá-lo e a dar cabeçadas.
E tudo continuou por longos instantes, até que a mãe chegou com uma espingarda e, quase encostando o cano, disparou contra o touro.
Mal soou o disparo, o touro desabou sobre o cadáver desfigurado do dono...
E foi indescritível a tristeza que se abateu sobre aquela família...
A notícia logo se espalhou e de toda a região, as pessoas vieram ver o homem que tinha um touro — o touro que matou o dono e a mulher que matou o touro, sem jamais ter tocado antes numa espingarda.
Antonio José
*A partir de um “causo” que ouvi no Assentamento Novo Tempo, Castanhal – PA.