Segunda-feira Premiada

MANHÃ

Seis e meia da manhã da segunda-feira e a neblina mais densa que eu já vi nos meus vinte e três invernos. O frio é óbvio. Meu bom humor é estranho para tais condições; me sinto realmente bem comigo mesmo e com o mundo. De repente, depois de lavar o cabelo e o rosto e enxaguá-los, já começando a ensaboar os braços e o peito e as costas, surge um clarão dentro chuveiro e a luz apaga. Não foi uma queda de energia, pois a televisão continuava ligada, na sala, logo ao lado. A água começa a verter; verter glacialmente. Tento a luz, mas ela não acende. O chuveiro não esquenta. Começo a espirrar. Mas não é só um espirrinho safado e fica tudo, bem, não; é uma seqüência de três espirros fortes pra cima¹. De tanto ódio, já não sei o que fazer: se termino na água gelada ou se me enxugo com sabão e tudo. Ocorreu-me tentar o outro banheiro. A mulher que limpa a casa acompanhava meus xingamentos, assim como meu irmão, fazendo conjecturas ou um comentário ou outro. Assim que abri a porta do banheiro, enrolado na toalha e praguejando a minha cota semanal, me deparei com a porta que dá pra rua escancarada e tomei uma bela de uma lufada de vento congelante. Corri até o outro banheiro, xingando mais do que tudo; a luz dele também não acendeu. E o chuveiro também não esquentou. Entre um palavrão e outro, suspirei, e me enfiei como pude debaixo da água. Tiritando, senti umas dores esquisitas, espirrando e com o nariz escorrendo, lembrei de todas as pessoas que vêem o lado positivo da vida e juro que tentei me colocar no lugar delas, só pra tentar ter um vislumbre do que elas fariam no meu lugar. Saindo de casa bem atrasado, me preparei psicologicamente pra ter o pior dia da minha vida.

TARDE

O azar da manhã ficou pela manhã, mesmo. O dia está tranqüilo, sem muito o que fazer, bem do jeito que eu não gosto, porque fico inquieto e entediado e com a característica sensação de que estou sendo espionado por não estar fazendo nada². Liguei pra minha mãe pra informar o ocorrido.

- O chuveiro queimou lá, e não sei que diabo aconteceu que a luz do quarto dos meninos e da cozinha só acendiam se a torneira da pia estivesse ligada.

- Sabe o que aconteceu?

- Meu azar querendo me esfregar as costas?

- Não, gracinha... A Doroti deve ter ligado a torneira na água quente enquanto você estava no chuveiro.

- ...

- E eu pensando que iria descansar quando chegar em casa...

NOITE

Dormi pesado no segundo ônibus e desisti de ir pra academia. Tive que dar uma cotovelada na boca de um velho bêbado que quis me impedir de entrar no outro ônibus. No terceiro ônibus, eu quero dizer. Fui no mercado e, de novo, não tinha nada do que eu tinha em mente. Passei na padaria e comprei 5 pães. Cheguei em casa e somente a luz do meu quarto acesa.

- E aí, mãe? Tá de folga hoje?

- Não, tô tentando encontrar algum eletricista aqui na internet...

Enquanto ela falava com um fulano que encontrou num site anúncios, eu fiz algumas flexões e depois um lanche. Sentei no computador e cliquei no link do twitter, pra entrar nele e amaldiçoar o meu dia, como sempre. Mas deu "página não pode ser exibida". Comendo o lanche, fiquei tentando o twitter e o Google. "Página não pode ser exibida". E a página de anúncios de pedreiros navegando normalmente. Terminei o lanche e fui fazer outro, mas o saco de pão estava vazio.

- Esses filhos da puta fazem de propósito, né?

- Não me xinga, mal-educado!

Voltei pro computador e abri um bloco de notas pra tentar escrever algo. Comecei esse texto, e a Letícia veio puxar conversa comigo no MSN.

- Que milagre!

- O quê?

- Você todo online.

Batuquei mais algumas coisas no bloco de notas, quando ouvi alguém conversando em termos técnicos com a minha mãe, sobre a situação. Tive um acesso de irritação e mandei o seguinte pra Letícia:

- Mano, meu azar é descomunal!

A vi escrevendo alguma coisa, mas o visitante ilustre mexeu na caixa de força e a luz piscou e eu perdi uma boa parte do que havia escrito. Poético, né? Aquele "¹" ali foi bem na parte que isso aconteceu. Meu irmão pegou a mania de ficar assobiando. Como tudo que é barulho desnecessário, esse assobio me irrita profundamente. Fiquei deitado, tentando dormitar e esquecer da minha existência, e começou a celeuma da minha mãe com o meu tio com o pedreiro e com ele assobiando e batendo alguma coisa nas cadeiras da cozinha. Levantei da cama e fiquei parado no vão da porta, olhando pra cara dele. Observei seu bico se desfazendo e a moeda que ele batia na cadeira voltando pro bolso.

Liguei o computador novamente e cliquei sem querer num ícone idiota de uma impressora que não tenho e ele travou. Abri o painel de controle e cliquei em remover tudo o que tivesse referência à maldita impressora e voltei às palavras, só que bem ali onde tem o "²", a desinstalação foi concluída e o computador foi abruptamente reiniciado.

RESUMO DA ÓPERA

- Não dá pra fazer a barba, já que acordo antes do amanhecer (?). E eu faço a barba uma vez por mês, mas isso calhou de ser no dia que eu resolvi tirá-la

- Não dá pra cagar antes de amanhecer, pois posso passar horas passando papel higiênico no rabo com ele há tempos limpo, ou então, pior: achar que ele está limpo e melar as cuecas. E também não dá pra ler enquanto o faço

- Ele continua assobiando aqui ao lado do meu quarto, onde a parede é uma parede daquelas lá, fininhas, de madeira - essa porra tem um nome

- Tem gente aqui no MSN perguntando se eu estou bem. Vou responder que não e já ficarão chateados, pois todo mundo finge que se importa perguntando isso e ainda preferem que eu minta.

- Odeio minha vida.

13/06/2011 - 22h05m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 13/06/2011
Código do texto: T3033036
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