SOU DELES, E ELES SÃO MEUS
Em um fim de domingo bem caseiro, assisti novamente o filme “O Pequeno Príncipe”. O livro é digno de ser lido mais de uma vez. É uma história delicada e emocionante que ajuda-me a corrigir o grau dos óculos que uso para ver o mundo e a vida. Bom remédio para os sintomas de rigidez no trato com os que me cercam.
As frases que formam os diálogos entre os personagens jorram como uma cachoeira de graça. Uma das mais marcantes é dita pela raposa ao pequeno príncipe:
- Tu serás para mim único no mundo e eu serei para ti única no mundo.
O ritual de cativar e se deixar ser cativado desfila em cenas dignas de um cerimonial.
A sensação de um mundo irreal e impossível de viver cresce a cada cena. Não parece que encaixa bem nos dias atuais este desejo de se dar ou de se deixar pertencer. Soa como cárcere. O oposto, ansiar ter o afeto deste ou daquele cheira megalomania. Seria sim prisão, ou despotismo, se o pertencer e se deixar pertencer não fosse um jogo de amor. Os cárceres e tronos de vaidade ficam vazios quando se vive sem o toma lá dá cá, combustível da maioria dos relacionamentos atuais.
Olhar para a aliança em meu dedo anelar esquerdo, ver minha foto no crachá da empresa, mirar sinais meus em minhas filhas e tantas outras coisas corriqueiras, percebo como toques da graça de Deus para não deixarem-me esquecer que sou deles, e eles são meus.
De modo estranho, foi nas aulas de matemática, na teoria dos conjuntos que apresentaram-me ao tal pertencer. Alface pertence aos vegetais; numero pertence aos numerais; gato pertence aos animais. Tão primitiva e tão real, pertencer é noção que se espalha por todo universo, tanto visível como invisível. É um paraíso do qual ninguém é expulso, mesmo que escrevam com ouro que ninguém é de ninguém. Alias, até quem acredita assim pertence a um conjunto: o conjunto vazio.