Desonestidades de Mario Prata
DESONESTIDADES DE MARIO PRATA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 25.05.11)
Curitiba, PR - Foi durante o jantar de sexta-feira, na casa da Lúcia, que o assunto veio à baila: livros. Mais especificamente, livros do Mario Prata. Mais precisamente, seu livro "Cem Melhores Crônicas (que, na verdade, são 129)", que ela está lendo e apreciando deveras. Particularmente, a crônica da página 218, "O casamento da prefeita e o sapato", com uma história parecida com um episódio que ela conhecia e que rendeu muita gargalhada.
Em suma, o Mario conta o suposto caso do seu sapato, que "estava no fundo do armário e não me lembro de ter usado o danado nos últimos dez anos", o qual resolveu desmanchar-se, largando a sola por inteiro, durante o "elegantérrimo casamento da Marta e do Luis", ela então prefeita de São Paulo.
Os risos francos da Lúcia enquanto ela comentava a crônica, suscitados pelo humor do texto originalmente publicado no "Estadão", foram me dando um frio crescente na espinha. Sem haver jamais lido essa história do Mario, eu sabia do caso estranhamente similar, o que incluía detalhes adicionais que não se restringiam à tragédia de um par de sapatos que se desfaz durante um casamento importante, deixando o personagem literalmente a pé. Não. Outras particularidades do enredo coincidiam com algo sabido, registrado e publicado há muito.
A circunstância, por exemplo, de, ao final, o protagonista, dessolado, ver-se impelido a dançar com a filha, ou sentir-se na iminência de ser obrigado a valsar com a prima, eram aspectos análogos demais que levavam as histórias a embaralharem-se além da mera coincidência.
Um ponto dessa suspeita aproximação, ou um ponto suspeito dessa aproximação, é a idade dos sapatos. Em "Ferraduras", crônica que saiu um dia neste "Diário", Manoel Osório faz referência ao seu "sapato preto de cadarço, uma obra-prima da moda calçadista, peça clássica de grife comprada há cerca de onze anos. Inspecionou os sapatos que certamente não pôs nos pés nos últimos três anos, achou-os em excelente estado e tratou de engraxá-los ele mesmo."
Dez anos os sapatos do Mario Prata, onze anos as "ferraduras" do Manoel Osório...
A diferença, facilmente manipulável por qualquer ficcionista, é que, num caso, Mario se dá importância e vai ao casamento da prefeita, enquanto que, no outro, Manoel, mais contido, comparece ao casório da prima Mônica Osória com Amilcar Filho, sem no entanto nomear os noivos, até para preservar-lhes a intimidade.
A situação se tornou insustentável quando, rindo muito, a Lúcia citou a crônica da página 131, "A máquina da Canabrava": duas crianças, maravilhadas, descobrem entre os legados da tia-avó recentemente falecida um equipamento fantástico, composto por um teclado integrado - sem fios! - a uma impressora, o que permite imprimir na hora aquilo que se digita e, mais fantástico ainda, sem o uso de eletricidade! Essa é a crônica que eu estaria escrevendo agora, relatando a surpresa e a admiração do Caio, então com oito anos, ao dar de cara com a minha velha Remington, a brava máquina de escrever manual de tantos textos e alguns livros meus...
Rubro de indignação, quase gritei:
- Farsa! Isso é uma enorme farsa, uma desonestidade desse Mario Prata! Vou processá-lo judicialmente até lhe drenar a última gota de atrevimento! E pouco importa que "O casamento da prefeita" dele tenha saído em setembro de 2003 e as minhas "Ferraduras", três anos e dez dias depois: como eu não conhecia a crônica dele quando escrevi a minha, a conclusão óbvia é que ele me plagiou.
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PS [publicado uma semana depois, no mesmo DC, ao final da crônica de 01.06.2011]: O Mario Prata é um cara honesto. Além de boa gente, é grande escritor, avaiano e manezinho da Ilha. Preciso afirmar isto porque leitores de títulos, apenas (quando chegam ao final deles), o têm importunado por causa da crônica da semana passada, achando que ele fez algo de errado. Se alguém fosse desonesto, só poderia ser o Amilcar Neves, que publicou crônica de mesmo tema bem depois que saiu a dele.
Escrevo para leitores.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.